“O Retábulo das Virgens Loucas” de Bento da Cruz
É uma obra mágica por excelência, como diz Urbano Tavares Rodrigues, onde tudo se agita - seres humanos e vegetais, bichos, água dos açudes - na louca dança da vida. É o retábulo da essência humana e sabedoria dos mais humildes. É a história de Picholeta, história de amor e de sobrevivência, da fé que a leva a oferecer as argolas de ouro à Senhora do Pranto. Quando um dia as quis reaver, já tinham desaparecido...
«Bento Gonçalves da Cruz nasceu a 22 de Fevereiro de 1925 na aldeia de Peireses, freguesia de S. Vicente da Chã, concelho de Montalegre, filho de pequenos proprietários rurais, Manuel Gonçalves da Cruz (conhecido por Manuel Marinheiro) e Maria Alves, que tiveram ainda outros sete filhos.
A 16 de Outubro de 1940, concluídos os primeiros estudos, ingressou na Escola Claustral de Singeverga, dirigida por monges beneditinos, disposto a seguir a vida religiosa. Aí concluiu com distinção o antigo Curso dos Seminários e foi director literário das revistas estudantis O Colégio e Claustrália.
Entrou no noviciado em 1945. Porém, terminado este, decidiu abandonar a ordem em 1946, curiosamente também no dia 16 de Outubro. Dois anos depois matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Concluída a formatura, abriu consultório de clínica geral em Souselas, no concelho de Coimbra, em 1955.
Pouco depois, em 1956, estabeleceu-se no Barroso, praticando clínica geral e estomatologia, até que em 1971 se fixa no Porto, onde ainda se mantém.
Tendo-se embora estreado com um livro de poesia (Hemoptise, de 1959, sob o pseudónimo de Sabiel Truta), Bento da Cruz depressa passa a dedicar-se a outros géneros literários, com especial realce para a ficção (conto, novela e romance). É certamente o mais prolífico romancista trasmontano de temática rural, tendo publicado os seguintes romances: Planalto em chamas, 1963; Ao longo da fronteira, 1964; Filhas de Loth, 1967; Planalto de Gostofrio, 1973; O lobo guerrilheiro, 1991; O retábulo das virgens loucas, 1996; e A loba, 1999. Publicou também uma novela, A lenda de Hiran e Belkiss, de 2005, que de algum modo se encontra desenquadrada do resto da sua obra de ficção, uma vez que se trata de uma narrativa de tema e sabor bíblicos.
Quanto à modalidade do conto, também debruçado sobre a ruralidade, publicou até ao momento os títulos Contos de Gostofrio e Lamalonga, 1973, e Histórias de lana- ‑caprina, 1998. Publicou ainda um volume de historietas da tradição oral, Histórias da Vermelhinha, de 1991, a que, em vez de contos, prefere chamar “memória oral”.
Fora do âmbito da ficção, embora por vezes se aproxime dela, publicou ainda uma biografia, Victor Branco, escritor barrosão – Vida e obra, de 1995, e um estudo de história, Guerrilheiros antifranquistas em Trás-os-Montes, de 2003.
Bento da Cruz é autor de uma obra vasta, quase integralmente dedicada a temas e personagens da sua região natal, o Barroso (a excepção é o já citado A lenda de Hiran e Belkiss). É curioso notar que a palavra “planalto” entra em dois dos seus títulos. Um topónimo barrosão, Lamalonga, aparece uma vez. Gostofrio, que surge em dois títulos, parece decalcado sobre Bustofrio, topónimo do concelho de Boticas. Tudo isto é sinal de apego ao Barroso. De facto, poucos autores têm produzido uma obra tão coerente e consistentemente amarrada à realidade rústica que envolveu a sua infância e a que o escritor continua a sentir-se preso e a visitar regularmente. Numa entrevista recente, Bento da Cruz diz: “Vou indicar-lhe as ‘extremas’ da leira da minha ficção. É um planalto, ou meseta, assente em quatro serras principais e respectivos contrafortes: Larouco a norte, Alturas a nascente, Cabreira a sul e Gerês ao sol-posto.”
Na sua ficção, filiada (embora sem subserviência, antes plenamente emancipada) num certo neo-realismo de matriz rural, Bento da Cruz valoriza elementos, linguísticos e outros, de uma etnografia riquíssima, sem nunca cair nas tentações do folclórico. De notar na sua obra a recorrência dos temas das pulsões instintivas e da sensualidade feminina.» [Grémio Literário Vila-Realense]
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