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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A vida em fala divertida


1.2 | A Vida: em fala divertida

Já fui tocador de rabeca
Já estive três anos em Gola*.
Sem ter coroa disse missa
Já sei falar à espanhola.
* [povoação espanhola raiana]

Sem mulheres fui um fadista
Sem arma fui caçador
Sem igreja fui pregador
Sem ser galo tive crista
Sem cantar fui um modista
Sem notas fui um poeta
Sem ter cabeça fui um careca
Sem pensar deitei planos
Antes de nascer três anos.
Fui tocador de rabeca.

Eu calado fazia espalhafato.
Junto de mim não discuto.
Sem lume fumava charuto
Sem nariz cheirei tabaco
Sem corpo rompia fato
Sem grude fazia cola
Sem sapatos rompi sola.
Nasci ao mundo sem mãe.
Sem passar o mar e bem
Estive três anos em Gola.

Fui sábio sem precisão
Fui doutor sem livraria.
Antes de nascer três dias
Fui jogador de pião.
Sem baptismo fui cristão
Sem gosto tive cobiça
Fui diligente na preguiça,
A mentir falei verdade.
Pela minha habilidade
Sem ter coroa disse missa.

A dormir armava bulhas.
Calado armava o fado.
Com os olhos bem fechados
E de noite enfiava agulhas.
Sem lume fazia fagulhas
Sem estudo joguei à bola
Sem dedos toquei viola.
Com realejo inglês
Na Itália fui Francês.
Já sei falar à espanhola.

“O livro de Anacleto Pereira”
Disponível na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real...

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Povo sabe dizer...


“O livro de Anacleto Pereira” – Murça – Anos 40 do Século XX
edição Associação dos Amigos de Murça, Outubro de 2011

Anacleto Pereira nasceu em Murça (Trás-os-Montes), em 20 de Abril de 1905 (tendo falecido em 02.11.1988). Trabalhou desde menino e moço como assalariado rural. Por tal facto, nunca teve tempo para aprender a ler e a escrever.
Legou-nos os seus versos, além dos enterros do Entrudo, cujo reportório se perdeu. Esta obra é uma ínfima parte daquilo que ele foi ditando à mulher e aos filhos, trabalhos que se perderam também, infelizmente!

O Povo sabe dizer
Palavras que soam bem.
Sem saber ler nem escrever
De ideias fica refém.

«Trata-se de um corpo de textos edificantes, até catequéticos, com forte dimensão axiológica, veiculando uma certa rebeldia perante a adversidade e a superação do mistério que envolve o nascimento, a vida e a morte. É um homem telúrico, no sentido torguiano, que atravessa os temas, as personagens e ambientes desenvolvidos nas composições. Esteticamente, a colectânea é uma preciosidade poética, raríssima e, aparentemente, perdida em Trás-os-Montes, quando era, ainda, verdadeira a máxima: “Para lá do Marão, mandam os que lá estão”. É uma comunicação estratégica, pedagógica e ética, sob uma medida clássica, cuja aprendizagem e utilização se apresentam estranhas, surpreendentes e obscuras.»
José Esteves Rei, em posfácio

Disponível na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real...