quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Do reino maravilhoso de Miguel Torga & Graça Morais

“Um Reino Maravilhoso” texto de Miguel Torga pinturas de Graça Morais
É um maravilhoso livro-objecto que junta dois vultos maiores da cultura portuguesa do século XX. Dois transmontanos de corpo e alma. O escritor Miguel Torga (natural de São Martinho da Anta) e a pintora Graça Morais (natural do Vieiro). O texto de Torga (que começa em jeito de fábula: “Vou falar-lhes de um Reino Maravilhoso”) foi proferido em 1941 num congresso sobre Trás-os-Montes; as pinturas de Graça Morais (49 no total) fazem parte das séries Terra Quente, AS Deusas da Montanha e Metamorfose. É um mundo fantástico, dos animais, da lavoura, das árvores, das gentes. Do granito, das serras, das montanhas. De um “sol de fogo” e “um frio de neve”. O maravilhoso reino da terra. Diz Torga: “O que é preciso, para os ver (estes mundos), é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade e o coração, depois, não hesite.”

"Passei o Verão fechada no meu atelier da Costa do Castelo, em Lisboa, a desenhar e a pintar com o objectivo de apresentar uma exposição inédita de homenagem a Miguel Torga, em resposta ao convite da Dra. Berta Duarte, dos Serviços Culturais da Câmara Municipal de Coimbra, para fechar as comemorações do centenário do nascimento do escritor.
As cabeças das mulheres que pintei mostram rostos de olhos fechados que meditam numa vida cheia de histórias e de sofrimento.
No tempo de Miguel Torga, nascia-se e morria-se em casa. No nascimento e na morte, são sempre as mulheres que estão presentes, desempenhando as tarefas mais difíceis, mais íntimas, mais sagradas, como a assistência aos partos ou o lavar e vestir dos mortos.


A minha escolha dos rostos das mulheres de idade avançada, cheias de saber e de experiência vivida, verdadeiras guardiãs da memória do tempo e duma cultura rural em rápida extinção, representa a minha identificação com o mundo de pessoas, de bichos, de paisagens naturais e humanas, de um espaço geográfico intensamente recriado por Miguel Torga.
Os retratos que iniciei a partir do rosto da minha mãe, transmutaram-se noutros rostos de mulheres, mulheres sem nome, deixando de ser retratos, para se transformarem apenas em desenhos e pinturas. Conheci Miguel Torga em 1986, em Coimbra, por ocasião da minha exposição “Mapas e o Espírito da Oliveira”, organizada a convite de Túlia Saldanha, no Círculo de Artes Plásticas.
Mais tarde, no início dos anos 90, visitei-o na sua casa em Coimbra a propósito de um projecto de livro, que nos foi proposto pelo ex-governador civil de Bragança, Dr. Júlio Carvalho.
Tratava-se, nada mais, nada menos, do que uma edição especial de “Um Reino Maravilhoso” com pinturas originais. Torga não queria uma ilustração do texto. Pediu-me para pintar grandes telas que representassem o meu “Trás-os-Montes” para se juntar ao seu texto. Lembro a hospitalidade, enorme simpatia e afabilidade de Miguel Torga, acompanhado de sua mulher Andrée Crabbé Rocha. Ofereceram-me a bôla de Vila Real e cerejas frescas de São Martinho de Anta. Durante a conversa, recheada de estórias de vida, interrompendo de tempos a tempos, dizia com um enorme sorriso: Coma cerejas, Graça… coma! Parecia um poema
Só no ano 2000, depois de uma residência artística na minha região transmontana, é que finalmente surgiram as grandes telas a que chamei “Terra Quente-O fim do milénio” - Aí estavam as grandes telas que Torga desejava para o seu livro.


Finalmente em Setembro de 2002, foi editado pela D. Quixote, o nosso livro, “Um Reino Maravilhoso”, com apresentação em Bragança, no Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro.
É com enorme prazer que me associo mais uma vez a Miguel Torga, um escritor que desde a minha juventude me emocionou e me ensinou a valorizar o Local como espelho do Universal."
GRAÇA MORAIS

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