sábado, 6 de agosto de 2016

Ode ao Douro


“Ode ao Douro” de António Manuel Caldeira Azevedo

«(…) uma espécie de longo poema em prosa, em que vai passando em revista (talvez melhor: interpretando) a realidade duriense. Recorde-se que Caldeira Azevedo é natural de Freixo de Espada-à-Cinta, onde nasceu em 1947, e mantém uma relação muito próxima com o rio e a região duriense. A sua cultura clássica está bem presente nas constantes referências mitológicas com que ponteia o livro.» Grémio Literário Vilarealense

Congida

I
Sobre o arado das águas, sulcando teu leito bordado de virgindade, defendida por castelos e gigantes de granito, que só os grifos, em seu planar circular, sabem da altura, voo.

II
Acima dos lábios das margens, teu púbis é um bosque de lodões, que o sobreiral e o fragaredo continuam arribas acima.
Rente à tremura da água, esvoaçam garças-reais, depenicando-a, de longe em longe.
No morro, o abutre-do-egipto, embalsamado de hirteza, espreita a morte, qual Osíris a chegada de um mortal para lhe pesar a alma.

III
Aqui mora o princípio: para além da guerra e da paz e dos pombais da Civilização, as boas selvagens pombas das fragas, acima do simbolismo de suas irmãs civilizadas, despegam, em voo assustado, do seu inacessível fragoso reduto, voltado para o meio-dia.

IV
De regresso ao cais, a chuva vem ao meu encontro, trazendo-me a lembrança das águas primordiais, nascentes diluvianas que fizeram mares.

V
Dei o óbolo ao barqueiro, que me trouxe à vida, naturado, limpo e ressuscitado. A Civilização é um pecado, que a Natureza dificilmente nos irá perdoar. 


Disponível na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real... | Traga-Mundos – lhibros i binos, cousas i lhoisas de l Douro an Bila Rial...
[também disponível do autor o título: “Do Significado Religioso de Panóias”]

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