“Isto Anda Tudo
Ligado” de Eduardo Guerra Carneiro
«A frase “Isto anda
tudo ligado” já é antiga, mas quem lhe deu vida nova e foros de expressão
erudita foi o escritor e jornalista Eduardo Guerra Carneiro, que a usou como
título num seu livro de poemas Isto Anda Tudo Ligado. E este título, como disse
Jorge Listopad, numa nota publicada na «Colóquio-Letras», que aparentemente é
um «slogan banal», tem sido centenas de vezes utilizado, por escritores,
jornalistas, por músicos (como Sérgio Godinho) e não só. Creio que muitos que o
utilizam já nem o relacionam com o grande poeta e a maravilhosa pessoa que foi
o Guerra Carneiro. Não é o meu caso. Fui muito amigo e companheiro de luta do
autor destas palavras. O livro em questão foi o primeiro da colecção Cadernos
Peninsulares que o editor da Ulmeiro, o José Antunes
Ribeiro, organizou em 1970. O meu livro A Poesia Deve Ser Feita por
Todos, foi o segundo livro dessa colecção e seria apreendido pela PIDE.
Ambos os títulos, o do Eduardo e o meu, são hoje livros de alfarrabista. As
tiragens até nem foram pequenas, mas um incêndio no armazém da editora transformou-os
em raridades. Ainda há relativamente pouco tempo comprei um exemplar do meu
livro com as extremidades das páginas queimadas.
Na fotografia
abaixo, tirada em Novembro de 1962, em Coimbra, da esquerda para a direita
podemos ver o Egito Gonçalves, eu, o Eduardo e o António Cabral, ainda
sacerdote católico na altura. O Eduardo, de perfil, parece ausente,
alheado, coisa que lhe acontecia com frequência. Fomos ali reunir-nos por
questões políticas e culturais – a expansão do Centro de Cultura Ibero
Americana, que pretendíamos alargar editando um boletim periódico multilingue
(nos idiomas da Península a que juntaríamos resumos em francês e
inglês). Na reunião que fizemos, o Eduardo ao ouvir ler o rascunho para
o manifesto sugeriu que fôssemos mais explícitos na exposição dos
objectivos. Ironicamente, o Egito diria – «Escrevam à cabeça – Somos
marxistas! Somos marxistas!». Mesmo sem sermos tão explícitos, anos depois, em
Janeiro de 1965, o Círculo seria dissolvido pela acção das polícias políticas
portuguesa e do estado espanhol.
Poesia, poetas,
política… isto anda tudo ligado.» [blogue A Viagem dos Argonautas]
«O escritor e
jornalista Eduardo Guerra Carneiro, um amigo que desde o dia um de Janeiro de
2004 já não está entre nós, deu como título a um seu livro de poemas «Isto Anda
Tudo Ligado». E este título, como disse Jorge Listopad, numa nota publicada na
«Colóquio-Letras», que aparentemente é um «slogan banal», quase um
lugar-comum, tem sido centenas de vezes utilizado, por escritores,
jornalistas, por músicos (como o Sérgio Godinho) e não só. Creio que
muitos que o utilizam já nem o relacionam com o grande poeta e a maravilhosa
pessoa que foi o Guerra Carneiro. Não é o meu caso. Fui amigo e companheiro de
luta do autor destas palavras. Evoco a conhecida frase «Isto anda tudo ligado»
homenageando a memória do Eduardo.
Nesta fotografia,
tirada em Novembro de 1962, em Coimbra, da esquerda para a direita podemos ver
o Egito Gonçalves, eu, o Eduardo e o António Cabral, ainda sacerdote católico
na altura. O Eduardo, de perfil, parece ausente, alheado, coisa que lhe
acontecia com frequência. Talvez estivesse preocupado com a eventual presença
nas proximidades de algum agente da PIDE.
Fomos ali
reunir-nos por questões políticas e culturais – a expansão do Centro de Cultura
Ibero-Americana, que pretendíamos alargar editando um boletim periódico
multilingue (nos idiomas da Península a que juntaríamos resumos em francês e
inglês). Mas voltemos ao Guerra Carneiro e ao seu livro.
Não era em
globalização, na famosa globalização de que hoje tanto se fala, que o Eduardo
pensava quando, em 1970, publicou o livro por acaso numa colecção da
Ulmeiro onde também publiquei uma colectânea de poemas. Era na dimensão
dialéctica do Universo na qual, de facto, tudo se relaciona e interage. Música,
literatura, desporto, política, vida quotidiana, são fragmentos indissociáveis
de uma mesma realidade que por comodidade e hábito de classificar, dividimos em
compartimentos.
*
Fui passar esse fim
do ano a Vilamoura (onde só consigo ir sem ser no Verão) e, no dia três de
Janeiro, um sábado, estava na esplanada do Paulo China a ler o Expresso quando
me saltou aos olhos o nome do Eduardo numa pequena notícia – Fora encontrado
morto na madrugada do dia um num pátio subjacente ao seu terceiro andar.
Presumivelmente suicidara-se, adiantava a notícia. Às primeira horas do novo ano.
Quando regressei a Lisboa, logo telefonei a um amigo comum, o José Quitério.
Sim, confirmou, o Eduardo suicidara-se. Poucos dias antes ao telefone tinha
dito ao Quitério isso mesmo, que estava farto, que a vida não lhe interessava.
O Zé pensou que fosse apenas um dia mau e que aquilo passasse. Não passou.
A última vez que
estive com ele, pouco tempo antes, almoçámos juntos num restaurante perto do
meu escritório. Trouxera-me alguns dos seus livros que eu não tinha ainda
lido e combinámos que iria colaborar num projecto editorial da empresa.
Estava bem disposto, recordámos os velhos tempos de Vila Real, do Setentrião,
do António Cabral e do Ascenso Gomes. Mas acabou por não fazer o tal trabalho –
foi-me telefonando e adiando. Até àquele dia.
As coisas não
lhe tinham nunca corrido bem. Interrompera os estudos universitários por lhe
parecer inútil o curso que frequentava. Profissionalmente, jornalista, um
bom jornalista, diga-se, tinha de fazer muita coisa de que não gostava. Na vida
privada, casamentos falhados, o refúgio no alcoolismo e, sobretudo, o
suicídio inexplicável da sua filha, a Catarina, destruiu a sua capacidade
de resistência, provocaram-lhe o cansaço da vida que confidenciou ao Quitério.
A soma de tudo isto resultou numa rápida viagem de três andares até ao cimento
do pátio.
Quando estas coisas
acontecem, ficamos sempre com uma sensação de culpa, com a ideia que poderíamos
tê-las evitado conversando, acompanhando, ajudando. Porque, no fundo, quando
estas coisas acontecem, todos temos, de facto, culpa por ajudarmos a manter um
mundo em que tudo anda ligado, mas no qual não sabemos conservar entre nós pessoas
como o Eduardo que, depois de desaparecerem, verificamos tanta falta nos
fazerem.» [blogue Aventar]
"Os
guerrilheiros que saem do Vává benzem-se à sua maneira, como se a próspera
guerrilha se fundasse em qualquer casa além da linha. Sábios de nascença citam
nomes e têm decorada uma biblioteca, tal qual alguns desenraizados do Saldanha
- mas de modo diferente. Abotoam-se com esmero e engravatam-se ou não conforme
as circunstâncias. Os guerrilheiros que entram no Vává usam as citações à
bandoleira e telefonam com muita assiduidade." (Excerto de "Isto anda
tudo ligado" (Lisboa, 1970), do poeta e flaviense Eduardo Guerra Carneiro,
que dedico ao comentador ARD)
Disponível na
Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real... |
Traga-Mundos – lhibros i binos, cousas i lhoisas de l Douro an Bila Rial...
[também disponível dos
autores o seguinte título: “A Noiva das Astúrias”]
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