“O Diabo é um Homem
Bom” de Ana Miranda
Uma obra de paródia e escárnio, de desilusão e desespero. O Eu aumentado, o Tu diminuído, o Nós desintegrado, em forma de comédia fragmentada e burlesca.
«O terreno de jogo
estendia-se às searas indomáveis de centeio e trigo, atravessadas por
labirintos e túneis vegetais, onde jogávamos às escondidas. Foi numa dessas
brincadeiras que um casaquinho de lã, azul-pálido, azul-bébe, me conduziu ao
primeiro morto. Ao primeiro nado-morto da minha longa vida de mortos.
O corpo
morria asfixiado num saco de plástico, ensanguentado. O vento chicoteava as
espigas e escoava o fedor da morte, pelo ventre da terra revolvida. Foi também
o vento que denunciou o barulho de passos nas proximidades, ainda a tempo de
tornar-me invisível. Por entre as espigas altas, vi a figura da minha mãe
crescer, passo a passo. Vi os seus chinelos rasos de trazer por casa a pisar as
hastes amareladas, mas ainda tenras do trigal. Usava o mesmo avental, estampado
de um violento colorido de frutos vermelhos, que lhe vira vestir na manhã desse
dia. Como era seu hábito, as mãos vinham abrigadas sob o avental, como se
transportassem um segredo. Em casa, era o gesto que calava as cartas dos seus
amantes. Ela não sabia que eu sabia do seu disfarce.»
Estudou Literatura
Portuguesa na Universidade Nova de Lisboa, mas foi do Jornalismo que fez
profissão.
Há 22 anos que se
divide, com igual paixão, pela televisão, imprensa e rádio.
Foi um projecto de
televisão que a levou para Lyon, França, onde vive desde 1999 e é jornalista de
política internacional.
A escrita era um
projecto à espera, desde que participou num dos primeiros concursos de Jovens
criadores, em 1996, tendo conquistado o prémio de honra que lhe permitiu
participar na Bienal da Guarda, 1997.
O “Diabo é um
Homem Bom” é a sua primeira obra publicada.
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