segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O Diabo é um Homem Bom

“O Diabo é um Homem Bom” de Ana Miranda

Uma obra de paródia e escárnio, de desilusão e desespero. O Eu aumentado, o Tu diminuído, o Nós desintegrado, em forma de comédia fragmentada e burlesca.

«O terreno de jogo estendia-se às searas indomáveis de centeio e trigo, atravessadas por labirintos e túneis vegetais, onde jogávamos às escondidas. Foi numa dessas brincadeiras que um casaquinho de lã, azul-pálido, azul-bébe, me conduziu ao primeiro morto. Ao primeiro nado-morto da minha longa vida de mortos.


O corpo morria asfixiado num saco de plástico, ensanguentado. O vento chicoteava as espigas e escoava o fedor da morte, pelo ventre da terra revolvida. Foi também o vento que denunciou o barulho de passos nas proximidades, ainda a tempo de tornar-me invisível. Por entre as espigas altas, vi a figura da minha mãe crescer, passo a passo. Vi os seus chinelos rasos de trazer por casa a pisar as hastes amareladas, mas ainda tenras do trigal. Usava o mesmo avental, estampado de um violento colorido de frutos vermelhos, que lhe vira vestir na manhã desse dia. Como era seu hábito, as mãos vinham abrigadas sob o avental, como se transportassem um segredo. Em casa, era o gesto que calava as cartas dos seus amantes. Ela não sabia que eu sabia do seu disfarce.»

Ana Miranda nasceu em Bragança em Abril de 1967.
Estudou Literatura Portuguesa na Universidade Nova de Lisboa, mas foi do Jornalismo que fez profissão.
Há 22 anos que se divide, com igual paixão, pela televisão, imprensa e rádio.
Foi um projecto de televisão que a levou para Lyon, França, onde vive desde 1999 e é jornalista de política internacional.
A escrita era um projecto à espera, desde que participou num dos primeiros concursos de Jovens criadores, em 1996, tendo conquistado o prémio de honra que lhe permitiu participar na Bienal da Guarda, 1997.
O “Diabo é um Homem Bom” é a sua primeira obra publicada.

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