“1950-2010 – 60
anos do assassinato na Cadeia Penitenciária de Lisboa às ordens da PIDE do
destacado dirigente do Partido Comunista Português Militão Ribeiro”
A 2 de Janeiro de
1950, Militão Ribeiro, membro do Comité Central e do Secretariado do PCP,
morria na Cadeia Penitenciaria de Lisboa, nove meses depois de ter sido preso
pela PIDE conjuntamente com Álvaro Cunhal e Sofia Ferreira, numa casa
clandestina, no Luso.
O dia 2 de Janeiro de 1950 passaria à história como o dia em que o fascismo
cometeu um dos mais brutais crimes dos muitos cometidos contra os comunistas e
outros antifascistas.
Militão Ribeiro e Álvaro Cunhal foram sujeitos a um regime prisional brutal, um
regime de excepção, de arbitrariedade e violência, mesmo para os padrões
fascistas: incomunicabilidade rigorosa durante meses, proibição de receber
livros e material de escrita, visitas e assistência médica especializada e de
sua confiança, bem como a proibição de recreios, de utilizar papel higiénico,
de poder tomar banho e mudar de roupa semanas a fio, vigilância de 24 sobre 24
horas e a luz da cela permanentemente acesa.
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As
consequências para a saúde dos camaradas eram inevitáveis. Militão Ribeiro
sofria de grave doença do fígado contraída no Campo do Tarrafal, onde passara
seis anos. A falta de uma alimentação e medicação adequadas tornaram-se fatais.
Militão descreveu de forma circunstanciada o tratamento brutal que lhe foi
infligido, numa carta que fez chegar clandestinamente ao Partido e onde se pode
ler: «Tenho sofrido o que um ser humano pode sofrer. Nem sei como tenho tido
forças para tanto (…). Desde sempre mantive a disposição de dar a vida pelo Partido
em todas as circunstâncias assim como a dou de uma forma horrível e cheia de
sofrimento. Mesmo quase já um cadáver ainda fui esbofeteado por um agente.
Dores, insónias, fome, agonias, tudo tenho sofrido nestes sete meses».
Militão
Ribeiro só viria a morrer dois meses mais tarde, dois meses durante os quais se
multiplicaram as torturas e os sofrimentos, mas que apesar disso ainda
encontrou forças para enviar uma última carta ao Partido, escrita com o seu
próprio sangue. Uma carta de denúncia do crime fascista que era a sua morte,
mas também uma mensagem de confiança na luta do Partido e do povo português.
Com o assassinato de Militão Ribeiro, o seu nome juntava-se à já então longa
lista de comunistas e antifascistas assassinados pelo regime fascista, e a
classe operária portuguesa perdia um militante que dedicou o melhor da sua vida
à luta pela libertação dos trabalhadores de todas as formas de opressão e
exploração. Um militante cuja vida se confundia com a vida e a luta dos
trabalhadores e do nosso povo, com a vida do Partido.
O brutal regime a que os camaradas Militão Ribeiro e Álvaro Cunhal foram
sujeitos era a expressão da raiva da PIDE pelos sucessos organizativos e
políticos alcançados pelo Partido como resultado da reorganização.
Os movimentos grevistas de 1942 e em particular os da Covillhã e da corda da
Beira, as greves de Julho-Agosto de 1943 em Lisboa, Margem Sul do Tejo e S.
João da Madeira, estas classificadas pela própria PIDE «como o primeiro grande
sucesso da regorganização no Norte do País», as acções de massas em princípios
de 1944 contra a falta de géneros, as grandes greves de 8 e 9 de Maio de 1944
na região de Lisboa e do Ribatejo, mobilizando dezenas de milhares de
trabalhadores, as greves de 1945 e as grandiosas manifestações populares nesse
ano em todo o país comemorativas do fim da II Guerra Mundial, transformadas em
grandes acções populares contra o fascismo, pela libertação dos presos
políticos, pela liberdade e a democracia, representaram, pelos níveis de
mobilização, combatividade e natureza das reivindicações, um salto gigantesco
na história da resistência ao fascismo.
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A unidade
antifascista com a criação do MUNAF e do MUD, com a campanha do general Norton
de Matos à Presidência da República, registou igualmente avanços até então
nunca alcançados.
Na raiz
destes sucessos estava naturalmente o PCP, tornado na vanguarda reconhecida da
classe operária e da resistência antifascista.
A realização com êxito de dois Congressos clandestinos, o III e o IV
Congressos, respectivamente em 1943 e 1946, constituíram grandes vitórias
políticas do Partido.
As brutais condições prisionais a que foram sujeitos e a violência física e
psíquica excercidas sobre Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro traduziam a raiva e o
ódio policial pelos êxitos alcançados pelo Partido naqueles anos.
Militão Ribeiro, mais debilitado por uma longa vida de sacrifícios, muitos anos
de Tarrafal e clandestinidade, acabou por sucumbir às mãos da PIDE.
Militão Ribeiro que teve um porte firme frente ao inimigo, recusando-se a fazer
quaisquer declarações à PIDE sobre o Partido, enfrentou a morte com enorme
coragem. Até aos últimos momentos da vida manteve uma grande confiança no
Partido, na sua luta e na do nosso povo, como se comprova por esta outra
passagem da carta já referida: «Tenho confiança – diz-nos Militão – que
sabereis vencer todos os obstáculos e levar o povo à vitória, mantendo essa
disciplina e controlo severo de uns sobre os outros em trabalho colectivo, como
vinham fazendo e aperfeiçoando. Que infelicidade a minha, só aos 50 anos ter
começado a trabalhar desta forma. Quantos defeitos ainda consegui corrigir em
mim como homem. Felizes os que vêm novos ao Partido e o encontram a trabalhar
assim. Ele é o grande educador e aperfeiçoador do nosso carácter».
A vida dura de Militão Ribeiro começara muio cedo. Nascido duma família modesta
de camponeses, emigrou para o Brasil com 13 anos. Tornou-se operário têxtil.
Ainda muito jovem, com apenas 15 anos, começou a participar nas lutas da classe
operária brasileira, foi dirigente sindical e aderiu ao Partido Comunista
Brasileiro.
Expulso do Brasil, Militão Ribeiro prosseguiu em Portugal o mesmo combate,
aderindo ao Partido Comunista Português, no qual militou durante 26 anos.
Conheceu
praticamente todas as cadeias fascistas: Aljube, Peniche, Angra do Heroísmo,
Tarrafal, cadeia da PIDE no Porto e Penitenciária de Lisboa, cadeias nas quais
passou 10 anos da sua curta vida.
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Militão Ribeiro fez parte do núcleo de camaradas que se lançaram na
reorganização do Partido nos anos 40/41, reorganização cujas orientações
fundamentais discutira no Tarrafal com Bento Gonçalves e outros dirigentes aí
presos.
Mas Militão Ribeiro não foi um simples participante na reorganização do
Partido, que, posteriormente desenvolvida com Álvaro Cunhal e outros camaradas
, transformaria o PCP num grande partido nacional, força fundamental da
resistência ao fascismo.
O nome e a actividade de Militão Ribeiro estão igualmente ligados a essa grande
conquista da reorganização que foi o relançamento da publicação clandestina de
«O Avante», efectuada em Agosto de 1941 e que jamais deixou de publicar-se
clandestinamente até Abril de 1974, sempre impresso no país. A sua colaboração
na imprensa do Partido foi activa e regular.
Foi um militante que pautou sempre a sua actividade partidária por um princípio
que salienta na sua carta ao Partido, quando já tinha a morte como coisa certa:
«Fiz tudo o que pude pelo Partido, bem ou mal, foi sempre julgando que fazia o
melhor». [Revista “O Militante”]
Disponível na
Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real... |
Traga-Mundos – lhibros i binos, cousas i lhoisas de l Douro an Bila Rial...
[também disponível: “Dois
Comunistas Transmontanos: Bento Gonçalves, Militão Ribeiro” de Sérgio Vilarigues”]