quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Guerra em rima


“Guerra em Rima” de Dias Vieira

O Coronel Dias Vieira sempre teve um fraquinho pelo jornalismo e pela investigação. Mesmo quando estava no activo, ao serviço da GNR. Agora que se encontra na pausa profissional que é bem merecida quando se cumpre como ele cumpriu e goza de saúde para ocupar o tempo livre, tem vindo a pesquisar na imprensa regional temas que na altura terão passado despercebidos mas que à distância de décadas, constituem curiosidade cultural, social e histórica.
O semanário a Voz de Trás-os-Montes que iniciou a sua publicação em 9 de Novembro de 1947, como propriedade das Conferências de S. Vicente de Paulo e que teve apenas dois directores: o Pe Dr. Henrique Maria dos Santos, até à altura em que deixou Vila Real e o Pe Dr. António Maria Cardoso, que completou 90 anos de vida em Março passado e que ainda continua ao leme deste órgão de informação que tem uma organização profissionalizada, que dá garantias de chegar longe.
Aproveitando para felicitar o Dr. António Maria Cardoso e todos os seus colaboradores, entro no tema que aqui me traz.
Dias Vieira ao compulsar a sua colecção de 1948, deparou com uma saudável «guerra», iniciada pelo saudoso Padre José Bernardo Gonçalves, nascido em Paradela do Monte (Stª Marta), em 1924 e falecido em 25 de Junho de 2000.  Na edição de 11 de Junho de 1948 publicou nesse periódico um soneto que intitulou: «Água o deu...».
Na edição do mesmo jornal de 1 de Agosto seguinte, o também poeta Barrosão, Artur Maria Afonso (Pai do célebre Pintor Nadir Afonso), escreveu um soneto que dedicou ao Padre Bernardo  e que tinha por título: «Tinha de arder... e ardeu».
O Pe Bernardo, satisfeito com a dedicatória, ripostou com novo soneto desta vez intitulado: «Quem nasce para cinco... a dez não vai», numa espécie de incapacidade em relação a quem tanto o honrou com a primeira dedicatória.
Só que Artur Maria Afonso não aceitou que Bernardo se inferiorizasse e, em réplica ao elogio, dedicou-lhe, também um segundo soneto, onde, nos 3º e 4º versos da segunda quadra, lhe confessa, em «Agradecimento»: O verso que traçais é tão perfeito/ que não há quem vos possa exceder.
Nesse meio tempo intrometeu-se no elogio mútuo, entre Bernardo e Maria Afonso, um desconhecido A. M. de Mairos - Chaves. Este A. M. questionou-se, também em soneto «a dois poetas» terminando a chave desse soneto: Gemeu: - Mas que humildade a destes lírios!...
A. M? Chama-se, ainda hoje, o Mons. Ângelo Minhava que nessa altura pregava em Mairos, no concelho de Chaves. Entendeu quebrar o diálogo daqueles dois «requebros amorosos». E, ignorando os dois contendores, a identidade do intruso que tratava por D. Quixote (lírio branco) e Tirteu (lírio roxo). A brincadeira enquanto foi a dois, decorreu bem. Mas quando aparece o terceiro, as coisas azedaram, sendo preciso que  o então bispo da diocese (D. António Valente da Fonseca) aconselhasse  a um «armistício» para acabarem com a «guerra rimada». Ângelo Minhava dá-se a conhecer e passaram a ser três «amiguinhos, mansinhos e calados».
Artur Maria Afonso regozija-se disso no soneto «Os três no Limoeiro». Mas aparece um quarto sonetista revestido de Raimundo Vieira que  no poema «À deriva», acusa o trio de«néscios pretensos poetas».
Um quinto poeta denominado Rogério Sampaio, reforça a contenda, mas vira-se, sobretudo, contra Raimundo Vieira que «não gostou de tais reparos, recomendando-lhe mais modéstia e tentando demonstrar que «os bons poetas não são assim tão raros...»
Por fim, mais um pseudónimo na contenda: Amílcar que pede paz: «haja paz, Senhor Rogério! /que achou quente de mais, hein? O cautério /Daquela «Raimundínica Varrina»?
Até aqui foi uma comédia em dois actos. Primeiros três poetas, cada qual o mais distinto e o mais modesto: Bernardo Gonçalves, Artur Maria Afonso e Ângelo Minhava. Depois o interregno com o «armistício», do Bispo.
O segundo acto recomeça com os mesmos três, desta vez fardados com pseudónimos: Raimundo Vieira reabre em nome de Artur Maria Afonso; Rogério Sampaio representando Bernardo Gonçalves e Amílcar em nome de Ângelo Minhava. Houve uma terceira ronda e nela se intromete Domingos Barroso, outro clérigo de Sanguinhedo, ao tempo, pároco de Vilar de Perdizes.
É grato reler estes saudáveis interlúdios culturais entre pessoas que conhecemos, nos ensinaram muita coisa do pouco que sabemos e que revelam a forma como se entretinham nos tempos mortos.
Dias Vieira surpreendeu-nos com esta recolha num opúsculo que vale mais do que grossos volumes de cuja leitura nada de útil se recolhe. Foi pena que o autor apenas fizesse uma tiragem de 150 exemplares... [Barroso da Fonte, NetBila]
 
Disponível na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real...

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