“As Divinas Nádegas
de Joana Ludovina” de Fernando Mascarenhas
«A Intriga, desta
novela, desenrola-se numa vila do Nordeste Transmontano, denominada Vilancete,
região que Miguel Torga batizou de “Reino Maravilhoso” e local que nós hoje
temos o privilégio de habitar. A obra relata as vivências e as peripécias do
protagonista, José Bernardo, um engenheiro reformado que regressa da cidade
para, pensava ele, desfrutar da sua reforma com placidez, esperançado no
conforto e proteção da casa e propriedade familiar, que anos antes o vira nascer.
Mas como é
frequente dizer-se, de boas intenções está o inferno cheio. E, sem contar, o
protagonista vê-se envolvido em acontecimentos que o arrastam para outros
locais. Por conseguinte, a ação é levada para outros espaços: Porto, Lisboa,
Madrid, Brasil e Suíça, por onde o protagonista deambula com o intuito de
ordenar o caos provocado pelas outras personagens que de uma ou de outra forma
a ele se encontram ligados numa teia bem urdida que o narrador nos vai
desvendando com mestria e concisão, prendendo, deste modo, o leitor ao texto.
A obra apresenta um
número reduzido de personagens onde, salvo raras exceções, quem dita o devir da
ação é a personagem feminina. Este facto traz à nossa memória as antigas
sociedades matriarcais. Assim, no livro, é a mulher, ou melhor, pela mulher que
o protagonista se bate, qual Dom Quixote sempre pronto a socorrer a sua
Dulcineia e, por conseguinte, a repor a justiça ou a colocar em ordem o caos
que se havia instalado.
Passo,
sucintamente, a mencionar algumas das personagens pelo seu revelo. Desde logo,
o amigo de infância, Alexandre Manuel, que desempenha as funções de confidente.
De seguida, a neta do protagonista, Constança que, de certa forma, podemos
considerar uma personagem tipo, visto que representa todas as mulheres que são
vítimas de violência doméstica e que dificilmente se conseguem livrar das
garras dos agressores sem a ajuda de terceiros. Abro aqui um parêntese para
recordar, não sem mágoa e tristeza, que este flagelo está, infelizmente, a
aumentar em Portugal, como constantemente vemos noticiado na comunicação
social. Estou em crer que nem outra foi a intenção do autor, a não ser
condenar, de forma veemente, este “crime” e levar o leitor a refletir na
humilhação a que alguns seres humanos estão sujeitos. Por outro lado, Alexandre
Manuel, em minha opinião, representa o amigo genuíno, sincero e o companheiro
de todas as horas, sempre pronto a ouvir, a ajudar e a aconselhar José
Bernardo.
Fecho o parêntese,
apresentado a personagem Dirce, uma brasileira, não cheia de encantos e
deslumbres, mas antes pelo contrário plena de malícia e crueldade. Parece-me
que, à semelhança de Constança, Dirce representa todas as mulheres oportunistas
e sem escrúpulos que não olham a meios para atingirem os fins, mesmo que isso
implique acabar com outro casamento e cometer, em desespero de causa, o próprio
suicídio. Por último, apresento a personagem Joana Ludovina, que dá título à
obra, e que por antonomásia representa todas as mulheres altruístas e
filantropas que dão a sua vida e o melhor de si em prol dos outros, mais
necessitados. Nesse sentido, esta personagem é mais quimérica do que real,
sendo, também, aquela que apresenta uma maior densidade psicológica. Esta
personagem, sobretudo no fim da narrativa, quando o leitor tem acesso à sua
história de vida, faz-nos pensar que ainda é possível, neste mundo cruel e
desumano, encontrar anjos da guarda que “abdicam” da sua vida para dar rumo e
sentido à vida dos outros.
Para além das
temáticas já mencionadas acima, também são afloradas na obra as seguintes: a
emigração tanto a primeira leva provocada pela miséria e pela fome que
grassavam em Portugal nas décadas de cinquenta e sessenta do século passado,
representada no texto pela personagem Luciana, como pela emigração atual incentivada
pela falta de emprego e oportunidades, empurrando os nossos melhores jovens
para fora do país, situação que o autor relata de forma corrosiva. O tema da
caça, associada ao passatempo, ao prazer e ao companheirismo, também se
encontra patente na obra. Outra realidade que a obra atesta é a imigração de
pessoas dos países de leste que encontram em Portugal e, mais concretamente, no
Nordeste Transmontano, trabalho e acolhimento. Esta situação é documentada na
obra pelo casal Vladimir e esposa. A derradeira temática, mas nem por isso
menos relevante, que encontramos no final da narrativa, em jeito de remissão
definitiva, está relacionada, ainda, com a Guerra Colonial, que deixou um
património impalpável, mas perdurável de traumas e distúrbios de índole psíquica
num grande número de soldados, como um vasto filão literário tem vindo a
corroborar. Estes combatentes encontram-se personificados, nesta narrativa,
pelo engenheiro e protagonista José Eduardo.
Para além destes
motivos de reflexão que, como vimos, a obra proporciona, o autor usa e abusa da
ironia e do sarcasmo nas várias passagens do texto em que reflete sobre a dura
situação económica e social que vem assolando Portugal. O autor chega ao ponto
de nomear os agentes políticos responsáveis pela situação a que o país chegou.
Estas personalidades, ironia do destino, continuam impunes e indiferentes ao
sofrimento e à miséria da população, aumentando, este facto, a indignação do
autor.
A obra é, ainda,
enriquecida pelas referências literárias que convoca e sua pertinência,
permitindo fazer inferências com o que está a ser narrado.
Concluo,
asseverando que a leitura de “As Divinas Nádegas de Joana Ludovina”, de
Fernando Mascarenhas, é aprazível e cativa, pelo tom coloquial, pelo
vocabulário acessível e referencial, pelas temáticas escalpelizadas e pelo
enredo, o leitor que facilmente se identifica com algumas das personagens do
livro.» Norberto Veiga
Disponível na
Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real... |
Traga-Mundos – lhibros i binos, cousas i lhoisas de l Douro an Bila
Rial...
[também disponível do autor
os seguintes títulos: “Vertigem” e “Galateia – Segredos de Família”]
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