PALAVRAS QUE VOS
DEIXO
Sou um orgulhoso
fundador do movimento das gentes do livro que dá pelo nome de Encontro
Livreiro. Recordo hoje os nomes do pequeno núcleo inicial: Manuel Pereira
Medeiros, Luís Guerra, Fernando Bento Gomes, Cristina Rodriguez, Artur Guerra,
Gonçalo Mira, Nuno Fonseca, Joaquim Gonçalves, Dina Silva, Adelino Almeida
Abrantes, José Augusto Soares Pereira, António Almeida, Fátima Ribeiro de
Medeiros, Hélia Filipa da Cruz Sampaio, Nuno Miguel Ribeiro de Medeiros, João
Manuel Rodriguez Guerra, José Teófilo Duarte, Francisco Abreu, José Gonçalves
(ausente por motivos de saúde, participou na preparação e na divulgação).
O Encontro Livreiro
nasceu na livraria Culsete, em Setúbal, no dia 28 de Março de 2010, mas tem
andado por aí e gosta de deixar sementes que dêem rebentos que possam dar novas
sementes, que possam dar rebentos que possam dar novas sementes... e assim
sucessivamente. Os primeiros rebentos nasceram em Trás-os-Montes – onde
cresceram e se multiplicaram em Vila Real (Traga-Mundos), Macedo de Cavaleiros
(Poética), Bragança (Rosa D’Ouro) e, no domingo passado, em Valpaços (Livraria
Dinis) – e no Porto, onde brotaram num jardim feito de livros, a Lello do
livreiro Antero Braga, a mui antiga e bela livraria da invicta e do mundo. Da
equipa de “resistentes” a Norte, quero ainda destacar Dina Ferreira (Poetria),
um exemplo de visão e de persistência de uma livreira que ama os livros, a
poesia, o teatro.
Acompanhei muito de
perto o seu crescimento até bem próximo dos cinco anos, que ontem se cumpriram.
Parabéns a você! E lembro, com alguma nostalgia, o brinde inicial (vão lá ver
ao Isto Não Fica Assim!). E lembro ainda, feliz, os meses da gravidez e da
esperança, os primeiros dias, as primeiras noites, os primeiros meses e anos,
os primeiros e trémulos passos, primeiro a necessitar do amparo de uma ou mais
mãos, adquirindo aos poucos cada vez mais autonomia.
É um movimento que
não gosta de chefes nem de líderes e que desde o início se quis o mais informal
e livre possível. Mas, para funcionar e avançar, foi recorrendo a uma “comissão
executiva” oficiosa constituída por Manuel Medeiros e Fátima Ribeiro Medeiros
(Culsete – Setúbal), Joaquim Gonçalves (A das Artes – Sines), António Alberto
Alves (Traga-Mundos – Vila Real), Sara Figueiredo Costa (Cadeirão Voltaire),
Rosa Azevedo (Estórias com Livros) e eu próprio. Claro que no início este
núcleo era ainda mais reduzido. Convém referir que alguns destes elementos
foram sendo cooptados à medida que chegavam ao Encontro Livreiro e que há
outros amigos, que me desculparão por não os nomear, que sempre estiveram muito
próximos.
Por razões de ordem
muito pessoal, em Novembro passado – por ocasião do Dia da Livraria e do
Livreiro, “rebento” que nasceu da relação entre o Encontro Livreiro e a
Fundação José Saramago e da vontade do seu director, o meu amigo Sérgio Letria,
mas que precisa de um maior envolvimento dos livreiros, o que não se conseguiu
satisfatoriamente até à edição de 2014 – decidi que era chegado o momento de me
afastar. Nessa altura comuniquei a minha decisão à Fátima, desde sempre a
livreira da Culsete mas agora a solo depois da partida do Livreiro Velho, e
pedi-lhe o grande favor de a transmitir aos restantes amigos. Ao mesmo tempo,
entreguei-lhe as “chaves” do blogue «Isto Não Fica Assim!» e da página do
Encontro Livreiro no facebook, que tomei a liberdade de criar logo a seguir ao
I Encontro e onde podem encontrar os textos, as imagens, a história deste
inédito movimento das gentes do livro.
Deixem-me que
refira uma das iniciativas que mais acarinhei, a atribuição do diploma
Livreiros da Esperança, e que recorde aqui os nomes dos livreiros já
homenageados: Jorge Figueira de Sousa (Esperança – Funchal), Caroline Tyssen e
Duarte Nuno Oliveira (Galileu – Cascais), Manuel Medeiros e Fátima Ribeiro
Medeiros (Culsete – Setúbal), Antero Braga (Lello – Porto) e ainda o Livreiro
da Esperança de 2015, Luís Alves Dias (Ler – Lisboa), nome que já tinha sido
referido em conversas com a Fátima anteriores à minha saída e ao seu
falecimento em 23 de Janeiro deste ano e que depois vi confirmado no Isto Não
Fica Assim! Um abraço, bem rijo e amigo, ao filho, o livreiro-editor-livreiro
Luís Alves.
Se me permitem,
quero também deixar uma palavra em memória e em homenagem à vida de um outro
livreiro que nos deixou no mesmo mês de Janeiro deste ano, António André (Lácio
– Lisboa), a quem me ligam boas recordações e que, no meu modesto entender,
mereceria um maior reconhecimento público. Sabem, por exemplo, que nos deixou
um livro de poemas intitulado Entrevero? Sei da sua existência mas confesso que
não o tenho nem o li ainda. Se alguém me fizer chegar um exemplar ficarei muito
agradecido. Pagando, claro! Mas o seu poema maior, e esse tive o privilégio de
o ler repetidas vezes, chamou-se “Lácio, Campo Grande, 111”! Que agora se
continua a “ler devagar”, na voz do José Pinho e do Pedro Oliveira. Boas
leituras, que devagar se vai ao longe!
E por falar em
livreiros e em livrarias, no último encontro lancei um apelo que parece ter
caído em saco roto: para quando a criação de um movimento próprio de livrarias
independentes? E neste conceito cabem livrarias com décadas de experiência e
outras, novas e novíssimas e com novos modelos, que estão a nascer ou a dar os
primeiros passos. Continuo a achar que faz sentido, que faz falta, que é
urgente, muitíssimo urgente. Pelo país fora há (ainda há) mais de duas dezenas
de livrarias que podiam animar e dar corpo a um movimento que comece por criar
uma “rota de livrarias independentes” que funcionem a partir de uma grande
cumplicidade entre si, mas também – e isto parece-me fundamental – que crie uma
cumplicidade nova entre autores, editores, livreiros e leitores. E, se o meu
grande amigo Joaquim Gonçalves me permite, ele que o criou e dinamizou e que,
quase sempre sozinho, tem vindo a desmascarar manhas e artimanhas de vários
Golias, sugiro um nome para este movimento: “Livros, é nas Livrarias!”.
Meus caros amigos
livreiros, não fiquem a observar na bancada ou atrás do balcão. Não esperem que
outros resolvam os vossos problemas. Não se olhem como concorrentes, que não
são. Conversem, conheçam-se, troquem ideias, definam objectivos comuns,
promovam iniciativas próprias que circulem pelas vossas livrarias, de norte a
sul. Livreiros do meu país, uni-vos!
Não posso deixar de
mencionar e de registar os nomes de Pedro Vieira, José Teófilo Duarte e Manuel
Rosa pela preciosa e desinteressada colaboração na criação dos cartazes e dos
diplomas.
Desejo ao Encontro
Livreiro aquilo que desejo a cada um dos meus três filhos, todos já na
maioridade: que continue o seu caminho, agora sem a minha presença e zelo
diários, e sem os constrangimentos que mesmo o amor de um “pai” e de uma “mãe”
acabam por implicar. Evitando a rotina e a repetição de procedimentos e de
vícios, e possibilitando novas escolhas, novos caminhos, novos objectivos,
novos intervenientes, novos actores.
Tenho a consciência
de ter dado o máximo – como gosto, aliás, quando me envolvo nas coisas – e de
ter feito o melhor que pude e que sabia. Saí antes que viesse a sentir que isto
fica assim. Cabe às gentes do livro fazer com que, afinal, isto não fique
assim.
São estas as
palavras que vos deixo. Obrigado pela vossa compreensão e, o que para mim é o
mais importante, pela vossa amizade.
Envolvo todos (e
vejo agora os rostos e os olhares, um a um) com um abraço apertado dado a cada
um de vocês.
Até sempre!
Luís Guerra
Margem Sul, 29 de Março de 2015
[texto enviado ao VI
Encontro Livreiro, que decorreu na livraria Culsete, em Setúbal, no passado dia
29 de Março de 2015]
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