quarta-feira, 8 de abril de 2015

Livreiros do meu país, UNI-VOS! - 2


PALAVRAS QUE VOS DEIXO

Sou um orgulhoso fundador do movimento das gentes do livro que dá pelo nome de Encontro Livreiro. Recordo hoje os nomes do pequeno núcleo inicial: Manuel Pereira Medeiros, Luís Guerra, Fernando Bento Gomes, Cristina Rodriguez, Artur Guerra, Gonçalo Mira, Nuno Fonseca, Joaquim Gonçalves, Dina Silva, Adelino Almeida Abrantes, José Augusto Soares Pereira, António Almeida, Fátima Ribeiro de Medeiros, Hélia Filipa da Cruz Sampaio, Nuno Miguel Ribeiro de Medeiros, João Manuel Rodriguez Guerra, José Teófilo Duarte, Francisco Abreu, José Gonçalves (ausente por motivos de saúde, participou na preparação e na divulgação).

O Encontro Livreiro nasceu na livraria Culsete, em Setúbal, no dia 28 de Março de 2010, mas tem andado por aí e gosta de deixar sementes que dêem rebentos que possam dar novas sementes, que possam dar rebentos que possam dar novas sementes... e assim sucessivamente. Os primeiros rebentos nasceram em Trás-os-Montes – onde cresceram e se multiplicaram em Vila Real (Traga-Mundos), Macedo de Cavaleiros (Poética), Bragança (Rosa D’Ouro) e, no domingo passado, em Valpaços (Livraria Dinis) – e no Porto, onde brotaram num jardim feito de livros, a Lello do livreiro Antero Braga, a mui antiga e bela livraria da invicta e do mundo. Da equipa de “resistentes” a Norte, quero ainda destacar Dina Ferreira (Poetria), um exemplo de visão e de persistência de uma livreira que ama os livros, a poesia, o teatro.

Acompanhei muito de perto o seu crescimento até bem próximo dos cinco anos, que ontem se cumpriram. Parabéns a você! E lembro, com alguma nostalgia, o brinde inicial (vão lá ver ao Isto Não Fica Assim!). E lembro ainda, feliz, os meses da gravidez e da esperança, os primeiros dias, as primeiras noites, os primeiros meses e anos, os primeiros e trémulos passos, primeiro a necessitar do amparo de uma ou mais mãos, adquirindo aos poucos cada vez mais autonomia.

É um movimento que não gosta de chefes nem de líderes e que desde o início se quis o mais informal e livre possível. Mas, para funcionar e avançar, foi recorrendo a uma “comissão executiva” oficiosa constituída por Manuel Medeiros e Fátima Ribeiro Medeiros (Culsete – Setúbal), Joaquim Gonçalves (A das Artes – Sines), António Alberto Alves (Traga-Mundos – Vila Real), Sara Figueiredo Costa (Cadeirão Voltaire), Rosa Azevedo (Estórias com Livros) e eu próprio. Claro que no início este núcleo era ainda mais reduzido. Convém referir que alguns destes elementos foram sendo cooptados à medida que chegavam ao Encontro Livreiro e que há outros amigos, que me desculparão por não os nomear, que sempre estiveram muito próximos.

Por razões de ordem muito pessoal, em Novembro passado – por ocasião do Dia da Livraria e do Livreiro, “rebento” que nasceu da relação entre o Encontro Livreiro e a Fundação José Saramago e da vontade do seu director, o meu amigo Sérgio Letria, mas que precisa de um maior envolvimento dos livreiros, o que não se conseguiu satisfatoriamente até à edição de 2014 – decidi que era chegado o momento de me afastar. Nessa altura comuniquei a minha decisão à Fátima, desde sempre a livreira da Culsete mas agora a solo depois da partida do Livreiro Velho, e pedi-lhe o grande favor de a transmitir aos restantes amigos. Ao mesmo tempo, entreguei-lhe as “chaves” do blogue «Isto Não Fica Assim!» e da página do Encontro Livreiro no facebook, que tomei a liberdade de criar logo a seguir ao I Encontro e onde podem encontrar os textos, as imagens, a história deste inédito movimento das gentes do livro.

Deixem-me que refira uma das iniciativas que mais acarinhei, a atribuição do diploma Livreiros da Esperança, e que recorde aqui os nomes dos livreiros já homenageados: Jorge Figueira de Sousa (Esperança – Funchal), Caroline Tyssen e Duarte Nuno Oliveira (Galileu – Cascais), Manuel Medeiros e Fátima Ribeiro Medeiros (Culsete – Setúbal), Antero Braga (Lello – Porto) e ainda o Livreiro da Esperança de 2015, Luís Alves Dias (Ler – Lisboa), nome que já tinha sido referido em conversas com a Fátima anteriores à minha saída e ao seu falecimento em 23 de Janeiro deste ano e que depois vi confirmado no Isto Não Fica Assim! Um abraço, bem rijo e amigo, ao filho, o livreiro-editor-livreiro Luís Alves.

Se me permitem, quero também deixar uma palavra em memória e em homenagem à vida de um outro livreiro que nos deixou no mesmo mês de Janeiro deste ano, António André (Lácio – Lisboa), a quem me ligam boas recordações e que, no meu modesto entender, mereceria um maior reconhecimento público. Sabem, por exemplo, que nos deixou um livro de poemas intitulado Entrevero? Sei da sua existência mas confesso que não o tenho nem o li ainda. Se alguém me fizer chegar um exemplar ficarei muito agradecido. Pagando, claro! Mas o seu poema maior, e esse tive o privilégio de o ler repetidas vezes, chamou-se “Lácio, Campo Grande, 111”! Que agora se continua a “ler devagar”, na voz do José Pinho e do Pedro Oliveira. Boas leituras, que devagar se vai ao longe!

E por falar em livreiros e em livrarias, no último encontro lancei um apelo que parece ter caído em saco roto: para quando a criação de um movimento próprio de livrarias independentes? E neste conceito cabem livrarias com décadas de experiência e outras, novas e novíssimas e com novos modelos, que estão a nascer ou a dar os primeiros passos. Continuo a achar que faz sentido, que faz falta, que é urgente, muitíssimo urgente. Pelo país fora há (ainda há) mais de duas dezenas de livrarias que podiam animar e dar corpo a um movimento que comece por criar uma “rota de livrarias independentes” que funcionem a partir de uma grande cumplicidade entre si, mas também – e isto parece-me fundamental – que crie uma cumplicidade nova entre autores, editores, livreiros e leitores. E, se o meu grande amigo Joaquim Gonçalves me permite, ele que o criou e dinamizou e que, quase sempre sozinho, tem vindo a desmascarar manhas e artimanhas de vários Golias, sugiro um nome para este movimento: “Livros, é nas Livrarias!”.

Meus caros amigos livreiros, não fiquem a observar na bancada ou atrás do balcão. Não esperem que outros resolvam os vossos problemas. Não se olhem como concorrentes, que não são. Conversem, conheçam-se, troquem ideias, definam objectivos comuns, promovam iniciativas próprias que circulem pelas vossas livrarias, de norte a sul. Livreiros do meu país, uni-vos!

Não posso deixar de mencionar e de registar os nomes de Pedro Vieira, José Teófilo Duarte e Manuel Rosa pela preciosa e desinteressada colaboração na criação dos cartazes e dos diplomas.

Desejo ao Encontro Livreiro aquilo que desejo a cada um dos meus três filhos, todos já na maioridade: que continue o seu caminho, agora sem a minha presença e zelo diários, e sem os constrangimentos que mesmo o amor de um “pai” e de uma “mãe” acabam por implicar. Evitando a rotina e a repetição de procedimentos e de vícios, e possibilitando novas escolhas, novos caminhos, novos objectivos, novos intervenientes, novos actores.

Tenho a consciência de ter dado o máximo – como gosto, aliás, quando me envolvo nas coisas – e de ter feito o melhor que pude e que sabia. Saí antes que viesse a sentir que isto fica assim. Cabe às gentes do livro fazer com que, afinal, isto não fique assim.

São estas as palavras que vos deixo. Obrigado pela vossa compreensão e, o que para mim é o mais importante, pela vossa amizade.

Envolvo todos (e vejo agora os rostos e os olhares, um a um) com um abraço apertado dado a cada um de vocês.

Até sempre!

Luís Guerra
Margem Sul, 29 de Março de 2015


[texto enviado ao VI Encontro Livreiro, que decorreu na livraria Culsete, em Setúbal, no passado dia 29 de Março de 2015]

Sem comentários:

Enviar um comentário