domingo, 1 de dezembro de 2013

traga_mundos em entrevista


António Alberto Alves, sociólogo de formação, abraçou em 2011 um novo projeto. A Traga-Mundos nasceu em Vila Real e convidou os transmontanos a fazerem parte de uma nova senda cultural.
Há dois anos que a livraria, situada no coração da cidade, abre portas às questões culturais e procura chegar ao âmago de todos os que lá entram.
Fomos conhecer melhor duas histórias que se misturam, a do homem que a fez nascer e a da cousa nascida.

P.- Como surgiu o conceito da Traga-Mundos?

R.- No regresso a Vila Real, após alguns anos como voluntário na Guiné-Bissau – depois de alguns anos a trabalhar em Kiel (Alemanha), alguns anos em Messejana (Baixo Alentejo), alguns anos em Lisboa – regressei à cidade da minha adolescência. A ideia de abrir uma livraria era um sonho que acalentava há muito, marcado para a idade da reforma. Deparando com uma lacuna de se dar visibilidade aos autores e cultura transmontana e duriense na capital do distrito, e com uma conjuntura de recessão socioeconómica no país, resolvi avançar contracorrente com o espaço da Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro.

P.- Como olha para a evolução da ideia original até à Traga-Mundos de hoje?

R.- Em 2 anos de existência da Traga-Mundos, mudamos o verbo ao conceito inicial – de “queremos” para “estamos”... «queremos [estamos a] construir uma referência quando se pensa na região de Trás-os-Montes, nomeadamente do Alto Douro Vinhateiro, seus autores e cultura, vinhos e tradições, produtos e artesanato...».

P.- O que se passa na Traga-Mundos só se sente com uma visita?

R.- O ambiente do seu interior: o de uma loja do comércio tradicional, com sobrado, paredes brancas e teto de madeira, inserida no centro histórico da cidade. É também um espaço de galeria de exposições (pintura, fotografia, escultura, cerâmica, artesanato, etc). Um espaço de diversos eventos (apresentações de livros, tertúlias temáticas, workshops, ateliers, oficinas, etc). Cuja porta é local de encontro e partida para um passeio pedestre pela região – ao terceiro domingo de cada mês. Um espaço onde simplesmente se está bem – por exemplo, confortavelmente no sofá vermelho! De notar que não somos uma loja online, de comércio à distância: gostamos de receber as pessoas, de uma boa conversa, de que os visitantes saiam e regressem como amigos – embora, também enviemos produtos pelo correio para todos que nos solicitam.

P. - Quem sai da Traga-Mundos, o que traz consigo?

R.- Sobretudo, uma boa amostra da riqueza e diversidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Uma vontade – dizem-nos – para regressarem e/ou recomendarem a loja aos amigos.

P.- Costuma receber a visita de jovens?

R.- A frequência de jovens é um dos principais objectivos da Traga-Mundos como livraria e local de cultura: a promoção da leitura e do conhecimento da região onde se inserem. Contudo, tem sido uma missão que não se revela fácil – por exemplo, a UTAD – Universidade de Trás-os-Montes há muito tempo que funciona de costas voltadas para a cidade de Vila Real! Temos a crença que esta situação poderá ser invertida, ou pelo menos atenuada, com perseverança, sensibilização, paixão no que realizamos. Aconteceu recentemente um pormenor que nos recompensou: a presença de uma vintena de jovens dos Cronópios e Famas – Clube de Literatura do Colégio da Boavista a treinarem a declamação de poesia, para uma tertúlia literária que realizaram no espaço da Traga-Mundos.

P. - Como ocorre a seleção do que faz acontecer na livraria?

R.- Temos esta imensa sorte de as pessoas virem ter connosco com uma proposta para um evento, uma exposição, um workshop, um atelier, uma colaboração, uma parceria. O nosso público e amigos muitas vezes questiona como conseguimos manter um calendário de eventos – em média todas as semanas acontece algo, sobretudo aos sábados... – e a nossa resposta é simples: porque não estamos sozinhos, temos um conjunto de editores e produtores, escritores e artesões, clientes e visitantes, familiares e amigos, que nos apoiam e incentivam.
Poderei dar o exemplo do espaço de galeria, que começou a funcionar aproveitando o fundo da loja inicialmente vazio. Depois de uma ausência de tantos anos e sem conhecer o meio artístico da cidade, como nos aventurarmos nesta área! A verdade é que vão sempre aparecendo pessoas que nos procuram para expor o seu trabalho e ao longo do ano de 2013 temos mantido uma programação regular, mudando de exposição de três em três semanas, em diferentes suportes: pintura, fotografia, escultura, cerâmica, artesanato, etc. Com uma regularidade que em Vila Real outros espaços raramente conseguem manter! Complementarmente, lançamos um desafio para os diferentes espaços existentes se unirem, para partilharmos exposições e criarmos sinergias, a que se juntaram alguns artistas e deu origem ao coletivo TragArtes – que possui potencialidades para marcar de forma indelével a oferta artística desta cidade, nomeadamente com eventos de rua.

P.- Qual foi o momento que mais o marcou desde que está à frente deste projeto?

R.- Como poderão adivinhar, ao longo de mais de 2 anos de porta aberta, são inúmeros e diversos os momentos marcantes e irrepetíveis que a Traga-Mundos albergou e fez acontecer. Poderei destacar um dos que mais me surpreendeu positivamente: o carinho demonstrado pelos emigrantes portugueses em agosto. Portugueses durienses e transmontanos que mais do que contentes, ficaram orgulhosas por descobrirem em Vila Real um espaço como a Traga-Mundos; que ficaram clientes e amigos: conheceram-nos em agosto de 2012 e voltaram em agosto de 2013 – e certamente continuarão a regressar nos próximos anos.

P.- Olha para a Traga-Mundos como um espaço onde se reúne a cultura transmontana e alto-duriense?

R.- Temos seguido o conceito inicial: livros – como espaço principal – e vinhos, coisas e loisas.
LIVROS
Uma livraria especializada na temática do Douro, incluindo álbuns de edição cuidada e guias (turísticos, vinhos, vinhos do porto, quintas, castas).
Onde estão presentes os autores locais e regionais com projeção nacional e universal – Alexandre Parafita, A.M. Pires Cabral, Amadeu Ferreira, António Borges Coelho, António Cabral, António Fontes, António Modesto Navarro, Bento da Cruz, Camilo Castelo Branco, etc.
Obras em prosa ou poesia; romances, novelas e contos; livros técnicos e revistas temáticas; álbuns infanto-juvenis e de banda-desenhada; de edições de bolso a álbuns de fotografia; de guias turísticos a cd’s e dvd’s; de edições de autor a edições de associações e outras instituições; em português e an mirandés; num esforço para se reunir e apresentar num mesmo local a riqueza cultural e literária da região de Trás-os-Montes e Alto Douro.
VINHOS
Uma loja de vinhos do Douro, desde o vinho generoso – também denominado do Porto – ao vinho moscatel, com exemplares de aguardentes velhas. Iremos disponibilizar edições de 10, 20, 30 e mais de 40 anos, bem como LBV e Vintage.
Proporcionamos igualmente brancos e tintos, reservas e outras delicadezas, de produtores particulares da região – que não se encontram nos hipermercados.
COISAS
Uma loja de mercearia fina: de compotas a ervas aromáticas, de chás a licores, de mel a frutos secos, privilegiando produtos da agricultura local, familiar e tradicional.
LOISAS
Uma loja de artesanato, desde a olaria negra de Bisalhães a cutelaria, das máscaras a instrumentos de manufatura tradicional, da latoaria a outros artefactos.
Um local onde poderá igualmente encontrar informação turística, sobre eventos, romarias, restauração, alojamento, percursos, museus, igrejas e capelas, parques naturais.

P.- De que é feita essa cultura?

R. -De uma imensa riqueza e diversidade: desde a cultura barrosã ao planalto mirandês, das encostas da Região Demarcada do Douro às das diferentes serras nortenhas. De gentes e paisagens, agricultura e tradições, aldeias e arquiteturas.

P.- Considera que os vila-realenses mostram interesse pela cultura?

R.- Comparando com o meu tempo de adolescência, em Vila Real hoje existe muito mais oferta cultural, mais oportunidades – destacando-se o notável papel desempenhado pelo Teatro e Biblioteca Municipais. No entanto, os clientes e amigos da Traga-Mundos são maioritariamente de fora de Vila Real – mesmo nos eventos, tal como acontece nos passeios pedestres, vindo pessoas do Porto, Aveiro, Coimbra, etc. Costumo afirmar que se a Traga-Mundos estivesse por exemplo localizada no Porto... teria certamente mais clientes vila-realenses, do que estando localizado no centro histórico de Vila Real!

P.- Como olha para o futuro que há-de vir para a Traga-Mundos?

R.-Viemos para ficar, apesar do contexto de generalizada crise económica – continuando sem qualquer apoio das instituições responsáveis pela cultura e turismo nesta cidade nem da Região do Douro, nem da imprensa local e regional. Para novembro e dezembro de 2013, e janeiro e fevereiro de 2014, para além dos eventos já periódicos, temos alinhavado mais algumas iniciativas – que vamos anunciando. No(s) próximo(s) ano(s) iremos continuar.


[http://birdmagazine.blogspot.pt/2013/11/antonio-alberto-alves-viemos-para-ficar.html#more]

Sem comentários:

Enviar um comentário