“Os Meus
Sentimentos” de Dulce Maria Cardoso
«A condutora,
ferida, de um automóvel que chocou com uma árvore atravessada na estrada, em
noite de temporal, revive, bloqueada no carro, de cabeça para baixo, não só os
incidentes anteriores ao acidente mas farrapos de toda a sua vida. É esta,
sumariamente a história de Os meus sentimentos, o segundo romance,
originalmente construído e escrito com muita sensibilidade, por Dulce Maria
Cardoso.
A mescla
de crueza e de senso estético da linguagem produz amiúde um efeito choque,
envolvente. Violeta, a vendedora de cosméticos, gasta e rejeitada, que se
oferece aos camionistas nas estações de serviço, recorda esse passado próximo e
os dias mais distantes do seu viver familiar. Assim vemos surgir nas suas
rápidas lembranças, as personganes dos seus pais, da filha, da empregada
doméstica, do meio irmão bastardo, um microcosmo que pouco a pouco vem para a
luz, com as pequenas vaidades e preconceitos burgueses, no tempo em que Paris
era ainda a capital da cultura e do mundo elegante.Igualmente se vão soltando das malhas da narrativa desarticulada outras figuras, as companheiras de trabalho e convívio de Violeta, a criadita comunista.
A grande riqueza de todos os eventos memorados, vida em fermentação, com uma grande densidade social, com marcas classistas da época da ditadura, reside na forma como a introspecção se vai fazendo, sem qualquer hierarquia, em manso tumulto.
Um romance admirável de observação da decadência, das regras, venenos inocentes, escapismos, pequenas maldades de uma família moldada pelos hábitos do regime deposto no 25 de Abril, que ainda se prolongam durante anos após o corte político da situação.
É, repito, um trabalho de escrita muito moderno, de alta qualidade, que aproveita da oralidade os melhores recursos expressivos, misturando-os com ironia, força e talento.» [Urbano Tavares Rodrigues, Leitur@Gulbenkian]
Dulce Maria Cardoso
nasceu em Trás-os-Montes, em 1964, na mesma cama onde haviam nascido a mãe e a
avó. Tem pena de não se lembrar da viagem no Vera Cruz para Angola. Da infância
guarda a sombra generosa de uma mangueira que existia no quintal, o mar e o
espaço que lhe moldou a alma. Regressou a Portugal na ponte aérea de 1975.
Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, escreveu
argumentos para cinema, gastou tempo em inutilidades. Também escreveu contos.
Tem fé, uma família, um punhado de amigos, o Blui e o Clude. Continua a
escrever e a prezar inutilidades. Vive em Lisboa.
Disponível na
Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real... |
Traga-Mundos – lhibros i binos, cousas i lhoisas de l Douro an Bila Rial...
[também disponível da
autora os títulos: “O Chão dos Pardais”, “Tudo São Histórias de Amor”, “O
Retorno”, “A Bíblia de Lôá – Lôá e a Véspera do Primeiro Dia” ilustrações Vera
Tavares, “A Bíblia de Lôá – Lôá Perdida No Paraíso” ilustrações Vera Tavares]