sexta-feira, 21 de junho de 2013

Poesia de final de milénio


“Café Solo” de Miguel Pires Cabral
edição de autor, Vila Real, Agosto de 2010


«Café Solo é a obra inaugural de Miguel Pires Cabral, um jovem poeta que se afigura como legítimo herdeiro da poesia portuguesa do final do milénio.

Nas últimas décadas, o fim das grands récits, anunciado por Lyotard tornou-se uma realidade incontestável, passando a assumir protagonismo os “acontecimentos mínimos” e as versões individuais. A nova hermenêutica, pressuposta por esta mudança de paradigma, trouxe consigo uma poética pautada pela experiência circunstancial e emocional do mundo, caracterizada por um regresso ao sentido traduzido pelo coloquialismo, pela discursividade e, sobretudo, por um intimismo que se revela numa espécie de lirismo enunciativo, de pendor auto-biográfico, ainda que este pretenso autobiografismo não constitua mais do que uma mera estratégia estética. Na realidade, a exploração de um certo tom confessional gera uma maior cumplicidade com o leitor, permitindo-lhe aceder de uma forma mais imediata, porque mais emocional, a um universo poético que se afigura agora como mais partilhável ou reconhecível.
É neste universo poético, onde a aura romântica que colocava o poeta num plano quase divino há muito desapareceu, que podemos incluir Café Solo. De facto, ao longo de toda a obra a aproximação ao mundo faz-se através de uma tomada de consciência de um universo e de um desígnio comuns, bem como de estratégias formais que potenciam a inteligibilidade do poema, como a utilização de uma linguagem sem demasiados artifícios, apoiada, na maioria das vezes, por uma narratividade apenas aparentemente simples. Os poemas são, regra geral, sustentados por uma sintaxe linear, próxima de um registo coloquial, desenvolvendo-se preferencialmente em versos livres que, independentemente da sua variação estrutural, fluem apoiados em encavalgamentos sucessivos.(...)


Café Solo assenta, portanto, na tensão que resulta da intersecção destas múltiplas paisagens, que se distribuem aleatoriamente ao longo do texto, numa aparente aporia criativa. O livro compõe-se, assim, rizomaticamente, como um “puzzle”, numa sucessão de fluxos e intensidades inesperadas a impedir leituras absolutas e definitivas e, esta imprevisibilidade, apesar de, por vezes, desconcertante, pode revelar-se verdadeiramente libertadora e fecunda para o leitor de Miguel Pires Cabral, pois são certamente “vozes inquietas” que se ouvem na sua poesia, a fazer despertar para “outras vidas, outras paragens” (“Outros Poetas”).»

Marta Pessanha Mascarenhas, Porto 28 de Julho de 2010. [Prefácio / Apresentação]

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