«A escrita, o livro, a leitura: um mundo! Vasto e complexo
mundo! Quem encontrarei disponível para me acompanhar num breve olhar sobre
ele?
Mundo habitado. O olhar encontra imediatamente os escritores e
os leitores. Depois, entre a escrita e o livro, está o editor com o seu
trabalho emérito. Entre o livro e a leitura estou eu, o livreiro. O escritor publica
a escrita, o editor publica o livro, o
livreiro “publica” a leitura.»
Manuel Medeiros, o Livreiro Velho (da livraria Culsete, Setúbal)
na
livraria traga_mundos afirmei por diversas ocasiões que foi ali, com o Dr.
Otílio de Figueiredo e na Livraria Setentrião, que aprendi a LER...
é
consensual que a apetência pela Leitura é potenciada por um ambiente favorável
e motivador. nasci em Moçambique e em casa sempre vi Livros, também jornais e
revistas, e cresci vendo os meus pais e irmã lendo, sendo portanto natural que
cedo iniciasse as leituras. lembro-me de, com os meus pais, visitar diversas
livrarias de Lourenço Marques, cujo ambiente me ficaram na memória.
em
1974, a
Revolução dos Cravos, aconteceu quando estava de férias na aldeia dos meus pais
e família em Portugal, e não mais pude regressar. frequentei a 4.ª classe na
Escola Primária de Cabêda. em casa dos meus avós, maternos e paternos, havia
Livros. o acontecimento era a visita periódica de uma das carrinhas bibliotecas
itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian ao largo da aldeia, com um mundo
mágico e diversificado de Livros.
a
frequência do 2.º e 3.º Ciclos e Secundário, levou-me para Vila Real. o
quiosque do Pelinhos, era um local de trocas de patinhas, coboiadas, mónicas,
astérix, tintin, spirou, luckyluke – com a preciosa generosidade de António
Ferreira, um promotor da Leitura. frente ao Liceu Camilo Castelo Branco existiu
uma biblioteca Gulbenkian – que frequentei. no ensino tive a boa ventura de ter
alguns excelentes professores que nos incentivavam o gosto pelo Leitura – para
além do programa formal de estudos.
não
recordo o que me fez entrar na livraria Setentrião mas sei que fiquei de
imediato encantado por aquele senhor de porte carismática e cabeleira branca:
Otílio Figueiredo – quase sempre rodeado por outras personagens em tertúlias
que pareciam de infindáveis sabedorias. médico, escritor, músico,
caricaturista, pintor, conversador, tolerante, republicano, humanista.
para
mim foi o primeiro Livreiro que conheci, ou seja, capaz de levar um adolescente
a descobrir e a ler também a Literatura. recordo que me fez descobrir – e ler a
obra completa de – Jorge Amado, com a particularidade de me fazer falar sobre
cada obra lida e aconselhando a seguinte.
assim
como de outros autores, desde os locais aos universais. também era um autor e
editor generoso, oferecendo exemplares da sua obra.
o
prosseguimento de estudos, universitários, e a actividade associativa,
profissional, cooperação, fez-me andar por aí: Lisboa, Coimbra, Baixo Alentejo,
Alemanha, Guiné-Bissau.
em
2011 regressei à região origem da família. a busca de espaços comerciais em
Vila Real, coincidiu por acaso com a disponibilidade dos números 24, 26 e 28 da
rua Miguel Bombarda... onde outrora esteve a Livraria Setentrião – talvez o
Destino tenha algo a dizer...
em
Novembro de 2011 abri a porta da Livraria Traga-Mundos, um espaço temático: aos
autores e obras de e sobre Trás-os-Montes e Alto Douro. ao longo destes mais de
9 anos de existência, o espaço foi-se enchendo de autores e suas obras, numa
riquíssima diversidade.
de
Otílio Figueiredo, iniciamos com alguns exemplares recuperados no armazém da
cave e pela generosa oferta de familiares seus. há medida que se vão esgotando,
procuramos em colegas alfarrabistas para que a sua presença não se esgote –
incluindo “ABC das Mães” –, cientes que um autor desaparece se a sua obra não
se mantém disponível. estamos conscientes que por mantermos ali uma Livraria, é
no dia-a-dia que preservamos também o legado e a lembrança de Otílio
Figueiredo.
antónio alberto sampaio figueira alves
livreiro, sociólogo
livraria traga_mundos
Cabêda, 31 de Janeiro de
2021
[Colecção Tellus n.º 42, 16 de março de 2021, Grémio Literário
Vila-Realense]