“Além da
Literatura” de João Bigotte Chorão
«João Bigotte
Chorão nunca toma os seus autores por si só: procura-lhes sempre um contexto e
uma base genealógica. É nesse sentido que se situa “além da literatura”, título
com que reuniu cerca de 30 textos críticos e ensaísticos, entre eles um
inédito, alguns apenas lidos em sessões públicas, e outros publicados em
revistas especializadas.» Hugo Pinto Santos, Time Out
A selecção natural
dos livros
Habituados que
estamos a elevar o romance aos píncaros da expressão escrita, esquecemo-nos por
vezes de outras facetas literárias igualmente ricas. Como exemplo temos a
correspondência, cuja transfiguração que adveio da revolução tecnológica
torna-a uma arte em remissão. No caso das obras de João Bigotte Chorão,
trata-se de uma vasta colecção de escritos íntimos sob a forma de diário, assim
como ensaios, crónicas e prefácios, estes últimos uma especialização com todo o
mérito. Em “Além da Literatura”, estão reunidos marcos do seu percurso como
leitor, uma série de textos que procuram evitar que certos nomes da literatura
portuguesa e europeia sejam silenciados.
O tom laudatório
com que se dirige aos seus autores “de eleição” procura, sobretudo, alertar
para o fadário do esquecimento, que em muitos casos aparenta ser inexplicável.
Alguns destes escritores, bastante populares no seu tempo – como Camilo -,
parecem ser cada vez menos lidos e afastados do meio escolar, pese a recente
adaptação ao cinema de “Mistérios de Lisboa”. Outros, como João de Araújo Correia,
quase já nem fazem parte da memória colectiva. Carece de estudo, e tal não é
âmbito deste “Além da Literatura”: apurar o motivo desta espécie de maldição do
escritor publicado, se há de facto espaço para toda a gente que escreve
bem.
João Bigotte Chorão
reforça a ideia de que temos predecessores a respeitar, que «um homem sem
passado é como alguém que perdeu o património», acrescentando que «um povo sem
passado é um povo sem história, que alguns querem apagar, como se isso fosse
possível». Constamos que muitos dos nomes que figuram em “Além da Literatura”
tornam-se cada vez mais significativos somente para um grupo restrito de
indivíduos: os que escrevem a História e os cientistas da língua. É o que
valida esta edição, na medida em que possa haver interesse em poupar tempo no
arquivo ou biblioteca em busca destes textos, pelo menos os que estavam por aí
dispersos.
Sem contar com as
transcrições de discursos ou traduções do romeno para o português, “Além da
Literatura” conta com apenas um inédito, o que diminui o preciosismo desta
edição. Seja uma leitura aficionada, seja por mero prazer ou curiosidade,
pairará a sensação de se estar perante algo redundante que pouco adianta à
demais obra corpulenta do autor. Na porção dedicada ao prolífero erudito Mircea
Eliade, por exemplo, a repetição de ideias e frases comuns é de tal forma um
fardo que se questiona a missão agregadora dos trabalhos do autor com um
simplório “isto é para encher chouriço”. Fica retido como matéria para um teste
que, além da grandiloquente vida e obra do romeno, Eliade foi também autor de
“Salazar e a Revolução em Portugal”, e que fez comentários depreciativos sobre
o país onde viveu de 1941 a 45 no seu “Diário Português”, embora, para
atenuá-lo e apaziguar os críticos a posteriori, também se tenha contradito
com elogios.
Pese a apresentação
polida e bonita, “Além da Literatura” não fará mossa na restante obra de
João Bigotte Chorão que, caso continue a ser lido, terá mais presente entre nós
uma obra que não esconde a influência de Miguel Torga: “Diário quase completo”.
Certamente que a consulta das obras que moldaram estes breves textos é mais do
que recomendada. Infelizmente fica-se pela entrada, criando algum fastio para
os restantes pratos.
Disponível na
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Rial...
[também disponível do autor
o título: “O essencial sobre Camilo”]
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