O RENDER DA GUARDA
Por despacho do Diário da República das
Bananas foi hoje aposentado por invalidez, que não por tempo de serviço, o
espantalho que nos recebia transmontanamente à entrada dessa livraria e
artesanaria de nome TRAGA-MUNDOS.
Durante anos habituámo-nos a vê-lo,
dignamente sentado, como em trono real, garboso e a enfrentar estoicamente
rigores de três meses de Inferno e nove de Inverno. E foi essa exposição às
inclemências climatéricas que o foi transformando num pobre diabo, sem força
nas pernas e de braços caídos, como quem desiste de uma luta desigual.
Desconhecemos se fez descontos para a
Segurança Social, pelo que suspeitamos, com mágoa, que, à falta de lares de
terceira idade ou de cuidados continuados para a sua espécie, lhe restará a
caridade do proprietário da loja que nela lhe reservará um cantinho aconchegado
onde, decerto, receberá uma palavrinha misericordiosa dos seus frequentadores.
Assisti, com emoção, à sua retirada e
substituição a fazerem lembrar um render da guarda. Teve dignidade. Deixou-se
arrastar sem oferecer resistência. Pudera! Não tinha onde ir buscar as forças…
“Contra factos não há argumentos”, terá murmurado com os seus botões (que os
têm mesmo). No seu lugar foi colocado um bicho-palheiro – uma croça bem típica
da nossa região, primorosamente costurada por experiente artesão. A
encabeçá-lo, um original e simbólico espanta-espíritos feito com miniaturas de
lata e de barro de Bisalhães.
A cerimónia não teve pompa nem
circunstância, antes se desenrolou num ambiente familiar de convívio com
mestres de três artes que deveriam se acarinhadas por fazerem parte da nossa
identidade. Parece que nem todos pensam assim, a avaliar por certas ausências.
Afinal, com lojas de chineses a proliferar como cogumelos, imunes à “clise”,
com produtos industriais para todos os fins ao preço da uva mijona, para quê
preservar anacronismos?
M. Hercília Agarez, Vila
Real, 16 de Maio de 2014
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