Apresentação
de “Os Idiotas” de Rui Ângelo Araújo por J. Rentes de Carvalho
26 de Outubro de 2013 (sábado), pelas 21h30
na Traga-Mundos – livros e vinhos,
coisas e loisas do Douro, em Vila Real
«[Texto do autor escrito
como cábula para UM lançamento e desaparecido em parte incerta quando poderia
ser útil]
O IDIOTA C’EST MOI
Ao contrário do que possa parecer, sobretudo por estarmos a lançar ‘Os Idiotas’ numa altura de eleições, o título do romance não nasce da minha vontade de insultar políticos. (Algumas partes do livro talvez nasçam da vontade de me rir de políticos, mas não o título.)
O IDIOTA C’EST MOI
Ao contrário do que possa parecer, sobretudo por estarmos a lançar ‘Os Idiotas’ numa altura de eleições, o título do romance não nasce da minha vontade de insultar políticos. (Algumas partes do livro talvez nasçam da vontade de me rir de políticos, mas não o título.)
As pessoas têm-me perguntado quem são os idiotas do meu livro. Julgo que
procuram antecipar o gostinho de ver confirmada uma certa imagem do sistema
político português, aliás não desmentida pela campanha — da editora. Isso
parece-me uma expectativa natural, e por si mesma uma evidência do descrédito
que o sistema merece. Ou então do gosto das pessoas pelo vilipêndio, nunca o
subestimemos.
O livro não desapontará quem o aborde por este ângulo bicudo e seja paciente. Mas trairia os meus idiotas se não viesse em sua defesa. O autor sente afecto por eles e isto não é síndroma de Estocolmo, mesmo que seja verdade que as personagens de um livro nosso possam sequestrar-nos a alma por tempo indeterminado. Alguns daqueles que venham a ler o romance fá-lo-ão com menor ou (decerto) maior ânimo de encontrar os seus idiotas, figuras grotescas, oportunistas, corruptas e mal-intencionadas. E encontrá-las-ão. Mas quem sabe não descobrem também os meus idiotas. E, com as subtilezas da semântica, o espelho da rainha da Branca de Neve e a prolixidade que um dicionário de sinónimos pode conter: «O que quer que sejamos, somo-lo por oposição aos cretinos, que são o resto das pessoas», diz o protagonista do romance. E, como acrescenta a editora, se calhar diz bem.
‘Os Idiotas’, como a grande parte da literatura universal, surge da vontade de contar e inventar histórias. Não é um libelo político, não é um panfleto ideológico, não é a mecha de um cocktail molotov (bem, digo isto apenas porque é triste quando vemos os nossos textos impressos embrulharem o peixe ou acenderem a fogueira de um churrasco; quem já escreveu em jornais sabe que isso pode ser mais frequente do que ser lido).
‘Os Idiotas’ é em grande medida um divertimento, uma paródia, uma sátira. Mas é tudo isto à custa da pura humanidade dos seus personagens. Em ‘Os Idiotas’, pequena comédia humana, o que mais há é ilusões, desapontamentos, frustrações, vícios, precipitações, raivas, equívocos, tolices, renúncia — e confronto com memórias. Um monte de coisas geralmente tristes que acontecem às pessoas nas suas vidas. Mas que não vão necessariamente indispor os leitores. Talvez até os divirtam. Mérito de Lúcio, um ser em franco declínio, muito por acção própria, mas que resolve não se preocupar com isso (diz ele.) E que resolve achar divertido e até desejável o declínio do seu próprio país, um local mal frequentado que se escreve com três sílabas apenas: Bồ Đào Nha.
O livro não desapontará quem o aborde por este ângulo bicudo e seja paciente. Mas trairia os meus idiotas se não viesse em sua defesa. O autor sente afecto por eles e isto não é síndroma de Estocolmo, mesmo que seja verdade que as personagens de um livro nosso possam sequestrar-nos a alma por tempo indeterminado. Alguns daqueles que venham a ler o romance fá-lo-ão com menor ou (decerto) maior ânimo de encontrar os seus idiotas, figuras grotescas, oportunistas, corruptas e mal-intencionadas. E encontrá-las-ão. Mas quem sabe não descobrem também os meus idiotas. E, com as subtilezas da semântica, o espelho da rainha da Branca de Neve e a prolixidade que um dicionário de sinónimos pode conter: «O que quer que sejamos, somo-lo por oposição aos cretinos, que são o resto das pessoas», diz o protagonista do romance. E, como acrescenta a editora, se calhar diz bem.
‘Os Idiotas’, como a grande parte da literatura universal, surge da vontade de contar e inventar histórias. Não é um libelo político, não é um panfleto ideológico, não é a mecha de um cocktail molotov (bem, digo isto apenas porque é triste quando vemos os nossos textos impressos embrulharem o peixe ou acenderem a fogueira de um churrasco; quem já escreveu em jornais sabe que isso pode ser mais frequente do que ser lido).
‘Os Idiotas’ é em grande medida um divertimento, uma paródia, uma sátira. Mas é tudo isto à custa da pura humanidade dos seus personagens. Em ‘Os Idiotas’, pequena comédia humana, o que mais há é ilusões, desapontamentos, frustrações, vícios, precipitações, raivas, equívocos, tolices, renúncia — e confronto com memórias. Um monte de coisas geralmente tristes que acontecem às pessoas nas suas vidas. Mas que não vão necessariamente indispor os leitores. Talvez até os divirtam. Mérito de Lúcio, um ser em franco declínio, muito por acção própria, mas que resolve não se preocupar com isso (diz ele.) E que resolve achar divertido e até desejável o declínio do seu próprio país, um local mal frequentado que se escreve com três sílabas apenas: Bồ Đào Nha.
Lamento desiludir quem esperava que aqui se dissesse Portugal. Mas já deviam
saber, a literatura por vezes inventa os seus próprios territórios. Não tem é
culpa que o mundo resolva imitar a literatura. Neste sentido, dizer que ‘Os
Idiotas’ é uma distopia seria menosprezar muito a realidade. Não só existem
homens como este Lúcio e os malucos dos seus amigos, como existem países iguais
a Bồ Đào Nha.
Nesta disputa entre um homem e o seu país, diria que o homem ganha: consegue cair mais fundo do que o país. (Não se esqueçam de que estamos a falar do livro…) A grande questão será perceber se ele cai mais fundo por causa do território ou se isso acontece por causa de uma mulher.
Há uma mulher, claro. Permitam-me citar a sinopse: «Os idiotas poderiam ter permanecido assim, em desequilíbrio perfeito, para sempre, mas a chegada de Helen, uma mulher misteriosa e dorida, vem catalisar o inevitável.»
Não vou desvendar o que vem catalisar esta misteriosa Helen. Mas vou destacar o seu papel no romance. Porque o Lúcio é um palhaço, não tem sido fácil à editora O Lado Esquerdo fazer campanha pela Helen: os histriónicos ocupam sempre mais espaço nas campanhas, mesmo nas das editoras. Mas a história de Helen não é menos importante do que a de Lúcio. Pelo contrário: a sua história poderia existir literariamente sem a do Lúcio. O encontro dos dois só é relevante para ele. A história de Helen poderia ter sido tratada num romance autónomo — e talvez eu o devesse ter feito se quisesse realmente ser mais respeitado como escritor do que como «o antigo criador da revista ‘Periférica’».
Sim, há muito de ‘Periférica’ neste livro. Quem conheceu a revista vai dar-se conta.
‘Os Idiotas’ é na verdade o meu terceiro romance. Escrevi-o desta forma, com esta textualidade, este sarcasmo tonto, um pouco em oposição aos outros dois livros. Que por sua vez se tinham querido afastar do estilo ‘Periférica’. Mas parece que não resisti a voltar à chalaça e à malícia. No rol do seu grupo de idiotas, o Lúcio conta seis elementos — porque se esqueceu de incluir o autor. Se me permitem a citação pedante de Flaubert: o idiota c’est moi. Mas estou disposto a partilhar o estatuto com todos os que quiserem ler o livro.»
Nesta disputa entre um homem e o seu país, diria que o homem ganha: consegue cair mais fundo do que o país. (Não se esqueçam de que estamos a falar do livro…) A grande questão será perceber se ele cai mais fundo por causa do território ou se isso acontece por causa de uma mulher.
Há uma mulher, claro. Permitam-me citar a sinopse: «Os idiotas poderiam ter permanecido assim, em desequilíbrio perfeito, para sempre, mas a chegada de Helen, uma mulher misteriosa e dorida, vem catalisar o inevitável.»
Não vou desvendar o que vem catalisar esta misteriosa Helen. Mas vou destacar o seu papel no romance. Porque o Lúcio é um palhaço, não tem sido fácil à editora O Lado Esquerdo fazer campanha pela Helen: os histriónicos ocupam sempre mais espaço nas campanhas, mesmo nas das editoras. Mas a história de Helen não é menos importante do que a de Lúcio. Pelo contrário: a sua história poderia existir literariamente sem a do Lúcio. O encontro dos dois só é relevante para ele. A história de Helen poderia ter sido tratada num romance autónomo — e talvez eu o devesse ter feito se quisesse realmente ser mais respeitado como escritor do que como «o antigo criador da revista ‘Periférica’».
Sim, há muito de ‘Periférica’ neste livro. Quem conheceu a revista vai dar-se conta.
‘Os Idiotas’ é na verdade o meu terceiro romance. Escrevi-o desta forma, com esta textualidade, este sarcasmo tonto, um pouco em oposição aos outros dois livros. Que por sua vez se tinham querido afastar do estilo ‘Periférica’. Mas parece que não resisti a voltar à chalaça e à malícia. No rol do seu grupo de idiotas, o Lúcio conta seis elementos — porque se esqueceu de incluir o autor. Se me permitem a citação pedante de Flaubert: o idiota c’est moi. Mas estou disposto a partilhar o estatuto com todos os que quiserem ler o livro.»
O AUTOR
Um ex-baixista que depois de ter enterrado duas revistas resolveu pôr-se a escrever romances — e com isso provavelmente cavou a sua própria sepultura.
Rui Ângelo Araújo (Pedras Salgadas, 1968)
Fundou e dirigiu o 'Eito Fora – Jornal de Vilarelho' (1998-2002), uma publicação cultural da região de Trás-os-Montes, mas que não cabia nela. Posteriormente, fundou e dirigiu a revista literária, artística e crítica 'Periférica' (2002-2006), a 'new yorker portuguesa', com distribuição nacional e hipérboles ibéricas (‘la mejor revista cultural lusa se 'cuece' en una aldea remota’, jurava o ‘El Mundo’). Escreveu algumas dezenas de contos e três romances, todos afinal indignos de ‘imprimatur’. Mantém o blogue 'Os Canhões de Navarone', onde verbera o país ou se senta a observar a vida selvagem em volta. Numa era remota tocou viola-baixo. Hoje… Hoje vacila no seu desempenho do Quixote, mas a culpa é da realidade.
Um ex-baixista que depois de ter enterrado duas revistas resolveu pôr-se a escrever romances — e com isso provavelmente cavou a sua própria sepultura.
Rui Ângelo Araújo (Pedras Salgadas, 1968)
Fundou e dirigiu o 'Eito Fora – Jornal de Vilarelho' (1998-2002), uma publicação cultural da região de Trás-os-Montes, mas que não cabia nela. Posteriormente, fundou e dirigiu a revista literária, artística e crítica 'Periférica' (2002-2006), a 'new yorker portuguesa', com distribuição nacional e hipérboles ibéricas (‘la mejor revista cultural lusa se 'cuece' en una aldea remota’, jurava o ‘El Mundo’). Escreveu algumas dezenas de contos e três romances, todos afinal indignos de ‘imprimatur’. Mantém o blogue 'Os Canhões de Navarone', onde verbera o país ou se senta a observar a vida selvagem em volta. Numa era remota tocou viola-baixo. Hoje… Hoje vacila no seu desempenho do Quixote, mas a culpa é da realidade.
Traga-Mundos –
livros e vinhos, coisas e loisas do Douro
Rua Miguel
Bombarda, 24 – 26 – 28 em
Vila Real
2.ª, 3.ª, 5.ª, 6.ª,
Sáb. das 10h00 às 20h00 e 4.ª feira das 14h00 às 23h00
Próximos eventos:
- 1 a 27 de
Novembro de 2013: exposição de gravura da artista plástica Loirí Vechio;
- 2 de Novembro de
2013 (sábado), pelas 21h00: apresentação do livro “A Última Criada de Salazar”
de Miguel Carvalho pelo autor;
- 3 de Novembro de
2013 (domingo), pelas 15h30: apresentação do livro “A Última Criada de Salazar”
de Miguel Carvalho pelo autor, no Museu do Pão e do Vinho em Favaios, com a
presença de Dona Rosália;
- 1 a 27 de
Novembro de 2013: exposição de gravura da artista plástica Loirí Vechio;
- 9 de Novembro de
2013 (sábado), das 14h30 às 18h30: Oficina de Fotografia por Rita Almendra;
- 11 de Novembro de
2013 (segunda-feira): São Martinho e Magusto na Traga-Mundos [Prova dos Cinco
(sentidos)];
- 16 de Novembro de
2013 (sábado), pelas 21h00: Curso de Prova de Vinho do Porto [Prova dos Cinco
(sentidos)];
- 17 de Novembro de
2013 (domingo), pelas 15h00: visita a Coimbra de Mattos [Prova dos Cinco
(sentidos)];
- 3 a 30 de Janeiro
de 2014: exposição de fotografia e poesia “Alma Tua”;
- 18 de Janeiro de
2014 (sábado), pelas 21h00: Curso “Harmonizar vinho e gastronomia” [Prova dos
Cinco (sentidos)];
- 25 de Janeiro de 2014
(sábado); pelas 20h00: jantar vínico no restaurante Terra de Montanha. [Prova
dos Cinco (sentidos)].
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