quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Timor-Leste, um testemunho transmontano

“Timor – as rugas da beleza” António José Borges

"… Este livro é um documento com foral de liberdade. O autor António José Borges, assume-se aqui como uma voz diferente de tantas outras, onde a inquietação humanista nunca se desprende dos valores literários.
A dificuldade das rugas é manter a beleza dos traços com que se escreve o tempo e é com esses traços, que o cronista desenha estes esquissos dessa terra onde o sol nasce a sorrir."
José Braga – Amaral

«Timor com rugas...

Dili, 4 e meia da tarde deste dia conturbado que começa com a recomendação da Embaixada Portuguesa para a restrição de circulação; os professores não iriam dar aulas hoje, o hall do Hotel Timor povoa-se de gente que circula, sem saber bem o que fazer. Com uma reunião no Palácio do Governo às 9 da manhã, hesito em fazer a pé o percurso habitual, tomo um táxi, apenas um minuto e meio, por 1 dólar. Recebo convite do Instituto Camões para a apresentação, na Fundação Oriente, do livro (1) do Tozé Borges, professor de literatura portuguesa na Universidade de Timor Lorosae. É precisamente ao título da sua obra que “roubo” a ideia para o nome desta crónica, segundo o autor uma homenagem aos velhos de Timor-Leste que perpetuam o mundo imaginário do Bei Lafaek (o ”Avó Crocodilo”); serão eles, cada um desses velhos, uma autêntica “biblioteca itinerante” (2), de onde se “soltam palavras silenciosas” (3). 
Aproveitam-se os momentos de convívio, após a apresentação do livro do Tozé; a Mara (do Instituto Camões) faz as honras da casa emprestada, o ar condicionado avariado, as bebidas bem quentinhas, mas com todo o mundo bem disposto, bebendo o fim de tarde chuvoso e quente, com montes de soldados nas ruas.
A provar, se necessário fora, que este mundo é mesmo pequeno, o prazer imenso de reencontrar um colega de curso da FEUP; uma conversa técnica sobre energias renováveis e, ao fim de alguns minutos descubro o Cordeiro, não nos cruzávamos desde o já longínquo ano de 75, marca no tempo do final de curso para ambos.

Falo ainda sobre o que me trouxe por cá, apenas para dizer que o dia de hoje transportará toda a carga emotiva da satisfação do chamado dever cumprido. Após uma longa reunião que vai quase até às 2 da tarde, conseguimos delinear o Projecto de construção do Centro Comunitário de Educação e Formação de Bidau Massau, mais um Centro Internet e ainda um pequeno Parque de Jogos. Os dados estão agora lançados, acertam-se os orçamentos, discutem-se os pormenores do início das construções, do envio da primeira tranche de dinheiro e claro da necessidade de apresentação de contas. O que significa esta obra, ou melhor estas obras, para os timorenses da aldeia, não tem palavras. Nós, do outro lado, tentamos aprender o significado do que é a cooperação para o desenvolvimento. Em Timor-Leste, o País das crianças, das mulheres silenciosas (silenciadas?) e dos velhos que mostram nas suas rugas toda a beleza deste Oriente com uma claridade imensa, apesar da sombra dos dislates dos últimos dias.

Amanhã, espera-se um dia mais claro ainda…

Dili, 5 de Março, ano 2007
ALF. 

(1) “Timor, as Rugas da Beleza”, António José Borges, Garça Editores, Peso Régua, 2006
(2) Referência do autor
(3) Idem, ibidem.


António José Borges nasceu no Peso da Régua. Vive em Lisboa. É licenciado em Ensino de Português e Alemão, estudou por um breve período na Ruhr Universität Bochum, na Alemanha, e é mestre em Ensino da Língua e Literatura Portuguesas. Foi Professor na Universidade Nacional Timor Lorosa’e e na Escola Alemã de Lisboa. Fez traduções de Inglês e Alemão para várias editoras e organizações e é ocasionalmente revisor e consultor editorial da Porto Editora. É associado da Associação Portuguesa de Escritores e da Sociedade da Língua Portuguesa, membro da direcção do Movimento Internacional Lusófono, presidente da Assembleia-Geral da Associação de Apoio à Diocese de Baucau (Timor-Leste) e faz parte da Tertúlia de João de Araújo Correia. Integra o Conselho de Direcção da revista Nova Águia, onde colabora com publicações, e é cronista permanente nas revistas Tribuna Douro e Contrabando (edição multilingue). Participou nas revistas Navegações; Espacio / Espaço Escrito – Revista de literatura en dos lenguas; O Escritor; Mealibra;Humanitas; Revista de Letras; Douro – Estudos e Documentos; Geia(Tertúlia de João de Araújo Correia); Terra Feita Voz (Círculo Cultural Miguel Torga) e DiVersos. Como contista, publicou no jornal timorense Semanário e na antologia Olhares Convergentes. Colaborou na antologia de textos durienses Palavras que o Douro tece e no In Memoriam de João de Araújo Correia (Grémio Literário Vila-Realense). É autor dos livros Timor – As Rugas da Beleza (crónicas, 2006) e de olhos lavados / ho matan moos (poesia – edição bilingue e ilustrada, 2009).

Disponível na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real... | Traga-Mundos – lhibros i binos, cousas i lhoisas de l Douro an Bila Rial...

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