sábado, 17 de setembro de 2011

Um prazer que nos tira mais de mil cabelos brancos


Os leitores sabem que há livros que lemos depois de termos feito amor e livros para enganar a espera num aeroporto, livros para a mesa do pequeno-almoço e livros para a casa de banho, livros para as noites sem sono em casa e livros para os dias sem sono no hospital. Ninguém, nem mesmo o melhor dos leitores, pode verdadeiramente explicar porque é que alguns livros são bons para certas ocasiões e outros não. De forma indizível, as ocasiões e os livros, tal como os seres humanos, põem-se misteriosamente de acordo uns com os outros ou entram em conflito.
Alberto Manguel

sábado, 10 de setembro de 2011

aos meus avós - dois pares desses homens e mulheres anónimas que construíram o Douro

S. Martinho de Anta, 24 de Setembro de 1940 – Vindima. Um cesto de uvas, ao todo! O míldio, a chuva e a geada reduziram oito pipas a meio almude. Meu Pai fala nisto, e fica branco. Mas estejam os elementos e os micróbios certos do seguinte: é que o velho se vai atirar à tesoura, à poda, à erguida, à cava, à redra, ao enxofre e ao sulfato como se as vinhas tivessem dado vinho para as bodas de Caná. Quando se é lavrador como o meu Pai é, o corpo acaba por cavar, quer a razão queira, quer não.
Miguel Torga, “Diário I”

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Holograma

Na rua, mesmo rente a uma casa, havia um papelinho rasgado de um livro a que ninguém prestava atenção. Ora, durante a noite, começou a ganhar raízes e a crescer com a frescura e cor de uma papoila em cujas pétalas se podia ler, mas ninguém lia: poemas. Ao outro dia o empregado da Câmara ía varrer aquilo para o lixo. Uma criança, porém, antecipou-se e levou a flor consigo. Ao chegar à Escola, reparou que tinha um livro na mão!
António Cabral, “Ouve-se Um Rumor”