«Chega notícia da
organização de uma caminhada para observação de aves, já este domingo, na serra
da Aboboreira. Por causa da covid-19, o número de participantes será limitado a
quinze. A caminhada vai durar cinco horas durante as quais os quinze andarilhos
vão percorrer oito quilómetros. Recomenda-se que usem calçado confortável e
levem água e binóculos.
Há dois pontos de
encontro, às sete da matina. Um na Officina Noctua, em Amarante, outro na
livraria Traga-Mundos, em Vila Real. Há ainda uma possibilidade alvitrada pela
organização: "Quem estiver mais próximo de Jazente, pode optar por ir ter
directamente a esta localidade".
Não duvido de que,
em tendo conhecimento da iniciativa, Pedro Barros, o presidente do Centro de
Estudos Amarantinos, lá estará para enriquecer a caminhada com episódios da
vida e obra do poeta e abade Paulino Cabral de Vasconcellos que, de Jazente, ganhou
apelido e senhorio de terras, numa vida dedicada a todos os deleites do corpo e
do espírito, aos sonetos, à caça, à boa mesa e que muito se aventurou pela
serra, lá onde se apontavam aparições da senhora da Lapa. Faz agora um ano, o
Centro de Estudos Amarantinos evocou o tricentenário do abade e não me
espantaria que Pedro Barros, grande frequentador de alfarrabistas, tivesse uma
das mais antigas edições das poesias de Paulino Cabral de Vasconcellos. Mentes
devassas atribuíram ao abade e a Bocage a autoria de uns mesmos versos alusivos
a momentos de menor elevação de formosa dama. Esses, nem com binóculos verão
nos trilhos da serra as aves que ali ultimam a época reprodutiva. Nem se espera
deles que se aventurem aos bosques da Aboboreira, muito menos municiados com
sonetos do abade. Ou com os versos mais corridos fixando verdades singelas, os
versos que caracterizam bagatelas e desaforos, desvarios e gabatórios,
parvoíces e farelório.
São versos que
permitem avistar palavras mais raras que aves de arribação. Farelório, sim, na
pauta do abade:
"Letrado que
atrasa a causa /com mui enredos astutos,/ que lê feitos circundutos,/ e se
passeia com pausa,/ falando só no escritório, farelório".
Vem de farelo, sim.
Mas peneirado dá fanfarrice. Algo que não escapa ao olho vivo de um abade ou a
um experimentado observador de aves.»
Fernando Alves, “Sinais”,
TSF, 20 Junho 2020.
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