quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Da velhice, segundo A. M. Pires Cabral



“Frentes de Fogo” de A. M. Pires Cabral

«Intensificando um tom elegíaco que começou em Como se Bosch Tivesse Enlouquecido (2003), o novo livro de A.M. Pires Cabral relembra coisas esquecidas, coisas extintas, coisas que mais valera não relembrar, porque aconteceram há muitas décadas e agora é tarde. Que memórias são essas? São casas, árvores, raparigas, imagens que passaram em tempos pela retina de uns ´olhos com que vimos tanta coisa´.

Mais pessimista do que o pessimista Pessanha, Pires Cabral medita melancolicamente sobre a idade, ´telescópio de limitado alcance´ que muito acumula e pouco ensina, ´inútil idade´. De que servem os versos, o que dizer aos filhos, que Deus é esse que já não se manifesta, que sentido tem tudo isto? O concreto torna-se então alegórico, o tempo é uma casa alugada, as árvores que julgámos imortais foram abatidas, as formigas mostram que ´todo o comestível é um destino idóneo´. Job às avessas, incapaz de aceitar com resignação o inevitável, atormentado por uma insistente visita, o mofino Mister P, o poeta não entra docemente em noites escuras. Por mais que tenha de ´varrer a eira´ ou ´meter a viola no saco´, este sujeito inconformado e sarcástico não vai às boas. Faz má cara, deita a língua de fora, toca um requiem mas sob protesto.»

Viola no saco

Mil luzes acendi — e a radiosa
escuridão prevaleceu intacta.

Mil palavras disse — e o silêncio
reboou nas longas arcadas sombrias.

Mil passadas dei — e o que estava longe
não ficou um milímetro mais perto.

... ... ... ... ... ...

Conclusão: é tempo de meter, meu caro,
a viola no saco.

 

Disponível na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro em Vila Real... | Traga-Mundos – lhibros i binos, cousas i lhoisas de l Douro an Bila Rial... 
[também disponível do autor os seguintes títulos: “A Loba e o Rouxinol”, “O Cónego” (romance); “O Diabo Veio Ao Enterro”, “O Porco de Erimanto”, “Os Anjos Nús”, "A Navalha de Palaçoulo", “Singularidades” (contos); “Como Se Boch Tivesse Enlouquecido”, O Livro dos Lugares e outros Poemas”, “Que Comboio É Este”, “Arado”, “Antes Que O Rio Seque”, “Cobra-D’Água”, “Gaveta do Fundo”, “A Noite Em Que A Noite Ardeu”, “Trade Mark” (poesia); “Por Esta Terra Adentro – Páginas Transmontanas”; “Trocas e Baldrocas ou com a natureza não se brinca” com ilustrações de Paulo Araújo (infanto-juvenil); “Língua Charra – Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro” Volume I – A-E, 568 p. e Volume II – F-Z, 606 p.; “Páginas de Caça na Literatura de Trás-os-Montes” (selecção de textos e organização, antologia); “Aqui e Agora Assumir o Nordeste” (antologia) selecção e organização de Isabel Alves e Hercília Agarez; “As Águas do Douro” coordenação Gaspar Martins Pereira; “Telhados de Vidro” n.º 3, n.º 6, n.º 9, n.º 11, n.º 18, n.º 20, n.º 21; “Guerra Junqueiro: A Musa Dual” (antologia) introdução, selecção de textos e organização de A.M. Pires Cabral]

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