quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Vila Real – cidade dos três santos populares?


Vila Real – cidade dos três santos populares?

Vindo de Lourenço Marques, Moçambique, África, realizei os estudos secundários na cidade de Vila Real, onde cresci com um olhar forasteiro e encantado pelas suas diversas tradições – algumas peculiares e únicas!

Na magnífica feira de Santo António, descobri os “pretinhos de santo antónio”, ou pretinhos da sorte… se fossem roubados! E a existência da capelinha de um Santo António dos Esquecidos…

No Bairro de Santa Margarida, vulgo Rua dos Ferreiros, festejava-se a noite de São João com o saltar de fogueiras, num ambiente mágico e como que transgressor… [o bairro era um recanto estigmatizado da cidade: quando me matriculei na Escola Preparatória Diogo Cão, vindo de uma aldeia, fui colocado na “turma dos da aldeia e do bairro dos ferreiros”, em contraponto com a “turma dos da cidade”!]

Na Feira de São Pedro, vulgo feira dos pucarinhos, um mar telúrico de peças de olaria negra de Bisalhães, aprendi a jogar ao panelo e a admirar a diversidade das artes de homens com mãos marcadas pelo barro e pelas rodas de oleiro manuais.

A minha vida de traga_mundos seguiu diversos destinos e afazeres, do Baixo Alentejo a Norddeutchland, passando pela Guiné-Bissau. Regressei a esta cidade, anos depois, e constato uma mudança na vivência actual dos três santos populares – inspirado num conceito de «mercantilização e aporia da “cultura popular”» da antropóloga Paula Godinho.

O Santo António – apesar da louvável manutenção da típica feira do gado… que passará despercebida aos condutores da cidade! –, resume-se a uma espécie de feira popular, de carrosséis eléctricos e carrinhos de choque, farturas e afins… – com uma localização absolutamente inadequada! E o desfilar de marchas similares às dos bairros alfacinhas da capital!

O São João subiu do bairro para se espalhar pelas ruas do centro histórico – uma acção que teve o seu início no Cabo de Bila por iniciativa dos seus comerciantes – e é uma noite de comes e bebes, tipo portuense, e… devidamente sentados! – curiosamente, é a única noite do ano em que a população de uma cidade capital de distrito vive as suas ruas!

O São Pedro é essencialmente uma feira de cuecas e peúgas, em saldo à meia ou à dúzia, onde os vila-realenses anualmente se abastecem! A presença da olaria negra de Bisalhães é meramente simbólica – digamos que, evocativa…

Vila Real – cidade dos três santos populares? – festa por festa, faltará importar as festas juninas brasileiras, para se candidatar à UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, pois então!

António Alberto Alves
a olhar a Feira de São Pedro à porta da livraria Traga-Mundos, em Vila Real
28 de Junho de 2017

revista “Explora”, setembro 2017, página 49

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