sábado, 1 de outubro de 2011

Meia-noite no lagar

De aí a nada, arregaçados, os homens iam esmagando os cachos, num movimento em que havia qualquer coisa de coito, de quente e sensual violação. Doirados, negros, roxos, amarelos, azuis, os bagos eram acenos de olhos lascivos numa cama de amor. E como falos gigantescos, as pernas dos pisadores rasgavam máscula e carinhosamente a virgindade túmida e feminina das uvas. A princípio, a pele branca das coxas, lisa e morna, deixava escorrer os salpicos de mosto sem se tingir. Mas com a continuação ia tomando a cor roxa, cada vez mais carregada, do moreno, do sousão, da tinta-carvalha, da touriga e do bastardo.
A primeira violação tirava apenas a cada tacho a flor de uma integridade fechada. Era o corte. Depois, os êmbolos iam mais fundo, rasgavam mais, esmagavam com redobrada sensualidade, e o mosto ensanguentava-se e cobria-se de uma espuma leve de volúpia.
Miguel Torga, “Vindima” (1945)

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